Têm-se sucedido nos últimos meses artigos de opinião defendendo que sejam introduzidos nas remunerações da Administração Pública, e até do Sector Público no seu conjunto, substanciais cortes com carácter permanente.
Ernâni Lopes terá defendido cortes na ordem dos 20 ou 30 % cuja justificação não passou para a opinião pública.
Alguém recordou que este conhecido economista auferia desde os 48 anos uma pensão do Banco de Portugal. Mas uma refutação “ad hominem” não dispensa um aprofundamento do debate.
No Expresso de 4 de Setembro de 2010 um tal Pedro Maia, que indica a qualidade de “Professor Assistente na Universidade Carlos III, Madrid” afirma num artigo intitulado “Fazer o que ainda não foi feito”:
“…É natural que o salário médio seja mais elevado no sector público, pois emprega mais licenciados.
Mas estudos do Banco de Portugal mostram que, em média, pessoas com características similares (educação, experiência, etc. ) recebem mais no sector público. Este “prémio”, que era de 9% em 1996, aumentou para 16% em 2005.
Além de vencimentos mais elevados, a generalidade dos trabalhadores do Estado tem outro benefício extraordinário relativamente ao sector privado: a segurança…Ao oferecer salários mais elevados, o Estado cria uma assimetria enorme no mercado de trabalho….
….Uma redução dos salários no sector público deve ser vista como uma medida estrutural para atenuar esta assimetria. Mas dada a conjuntura de crise económica e orçamental acaba por ser a melhor opção para cortar a despesa…
….Para ficarmos com uma ideia, um corte de 10 % nos salários permitiria reduzir a despesa em 2 mil milhões de euros por ano, o equivalente a 1,4 % do PIB. Para conseguir uma diminuição de despesa da mesma magnitude, seria preciso abolir o subsídio de desemprego ou reduzir 73 mil funcionários públicos
…………………………………………………………………………………….
Que não haja dúvidas. Nenhum outro caminho permite uma redução de despesa pública significativa, sem um efeito tão negativo na procura, promovendo a equidade entre o sector público e privado no mercado de trabalho, incentivando a criação de emprego, não atacando o estado social , garantindo o fornecimento de serviços públicos e evitando problemas sociais mais graves “.
Segundo esta lógica, com um corte de 5 % o Governo ainda não está a fazer o suficiente para defender o estado social, são precisos 10 %.
No Expresso de 2 de Outubro, um artigo intitulado “Um novo imposto de solidariedade” assinado por José Filipe Correia Guedes, professor da Faculdade de Ciências Empresariais da Universidade Católica Portuguesa” propõe um imposto de solidariedade a reverter para o “Fundo de Desemprego” (que foi extinto em 1986, mas talvez o articulista não tenha reparado) a ser pago por “trabalhadores com empregos seguros, como os das grandes empresas privadas a operar em sectores protegidos da concorrência, os do sector empresarial do Estado, os das empresas municipais, e no limite extremo da segurança laboral, os funcionários públicos”
Para o funcionário público estima em 1/3 do vencimento o valor do bem “segurança de emprego”, e afirma
“Admitindo ainda que o novo imposto incide sobre trabalhadores da administração pública com vínculos permanentes – incluindo a administração central, local e regiões autónomas – bem como sobre trabalhadores do sector empresarial do Estado e de empresas municipais, o novo imposto geraria receitas na casa de 1, 6 do PIB”
Mais um para o qual os 5 % não vão chegar.
É claro que em condições de exposição à concorrência o mercado não paga mais por contratos a termo, mas nobody is perfect.
Os estudos do Banco de Portugal citados parecem reduzir-se ao trabalho “Salários e incentivos na Administração Pública em Portugal”
http://www.bportugal.pt/pt-PT/BdP%20Publicaes%20de%20Investigao/AB200906_p.pdf
de Maria Manuel Campos e Manuel Coutinho Pereira.
No entanto os dados são de 2005 e não fica bem ao primeiro articulista tirar conclusões sem referir as profundas alterações no sistema retributivo da função pública e a redução de salários reais ocorrida desde essa data.
Comum aos dois articulistas é a atribuição à função pública de uma segurança laboral sem limites. Aparentemente, não se deram conta de que o novo regime jurídico de emprego público, inspirado pelo Código do Trabalho, reduziu assinalavelmente essa segurança.
Aqui não critico o rigor dos artigos. De facto trata-se de um fenómeno de não percepção do alcance de uma política pública, contudo alvo, na altura, de atenção reforçada da comunicação social, e que não deixou de originar greves e manifestações. Essa não percepção continua a caracterizar a opinião pública, a opinião publicada na comunicação social, talvez a dos próprios articulistas, e quiçá, as atitudes do Governo e dos próprios titulares de “contratos de trabalho em funções públicas”. O que é muito curioso, e permite continuar a publicar sem reacção este tipo de artigos de opinião.
Pingback: Os cortes nas remunerações do sector público são para ficar ? « Fórum SNESup
O corte salarial surge, pelos vistos, como consequência do desequilíbrio orçamental que tem vindo a ser acumulado numa década de visível má governação, em que o somatório dos gastos de dinheiros públicos em áreas pouco ortodoxas como os estádios de futebol, sistema bancário, suporte a empresas públicas, submarinos, etc… ultrapassa em muito tudo que seria razoável. Como é óbvio, existe e irá existir sempre no funcionalismo público, alguma incompetência, gente que trabalha menos do que aquilo que devia. O que também é verdade é que a grande maioria das pessoas que trabalham no sistema público o faz com grande competência, prova disso é que temos, Infantários, Escolas, Universidades, Hospitais, serviços de emergência …e muitos outros serviços públicos a funcionar com elevado nível de qualidade e a custos médios de funcionamento muto inferiores à média Europeia.
De facto Ivo tens razão. Se se continuar a apontar a fonte e origem do problema para a peça errada, com ajuda de uma opinião pública mal informada ou mesmo manipulada, daqui a uns tempos vão estar outra vez a apontar armas para os salários dos que trabalham (ou são pagos) pelo estado.
Pingback: Os caça – salários | Comunicar