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Quando em 2007 em termos de lei-quadro e em 2008 em termos de primeiras experiências avançou o regime fundacional para as instituições do ensino superior foi visível a influência das concepções defendidas por Vital Moreira expressas numa conferência proferida no ISCTE sob a égide do Conselho Nacional da Educação a qual permitiu perceber que, para além de Gago e Heitor, este era um dos ideólogos nacionais defensores da solução. Estranhamente, pois que quando trabalhou na reforma dos institutos públicos fora crítico da proliferação de modelos de fuga para o direito privado. Aqui, pelo contrário, até recomendou às universidades que pedissem o modelo entidade pública empresarial para obterem o modelo fundação. E, paralelamente, “via” as instituições privadas a abandonar formas empresariais para por sua vez convergirem para o modelo fundação, talvez com o exemplo das Universidades Lusíada / Fundação Minerva em mente. Muito revelador, mas o CNE julgou-se obrigado a marcar uma nova conferência com Jorge Miranda para dar a palavra a uma visão divergente.
O que pensar deste modelo ?
- As universidades fundações não são verdadeiras fundações.
As universidades – fundações estiveram congeladas até 2015 por existir a percepção de que a fuga para o direito privado era uma manifestação e um factor de indisciplina financeira e por, rigorosamente, não existir neste caso um património que fosse substracto do regime fundacional.
Se o congelamento permitiu criar dinâmicas que afastaram algumas universidades da rota fundacional, as já existentes não foram extintas e reconvertidas em institutos públicos de regime especial, em parte por haver já interesses instalados, em parte por repugnar à “esquerda”, crítica das fundações, a convergência com um governo “de direita” para conseguir esse objectivo.
Com o PS / Heitor no poder, como sabemos, foi desbloqueada a fundação da Universidade do Minho e seguir-se-ão outras Universidades e até Politécnicos.
2. A flexibilidade de gestão das universidades fundações só é um atractivo porque o regime geral de autonomia sofreu fortes restrições.
A maior flexibilidade de gestão não é inerente ao modelo fundacional, aliás como instrumento de fuga para o direito privado estão hoje mais limitadas por força de recentralização a que a crise obrigou.
Se as universidades fundações conseguem ser “vendidas” como local de facilidades é porque às universidades – institutos públicos de regime especial foram criadas dificuldades.
3. A possibilidade de remunerar melhor o pessoal, docente e não docente pode não se materializar.
Sabe-se que uma grande parte das motivações da fuga para o direito privado e da criação de institutos públicos quase empresariais ou de entidades públicas empresariais sem substracto adequado teve como motivação a possibilidade de criação de regimes privativos com melhores remunerações.
Não é líquido que no quadro das restrições que têm determinado as reestruturações da Administração Pública o investimento na criação de universidades fundações (ou de politécnicos fundações) conduza a este resultado. Pelo contrário foram liquidadas situações baseadas no sector bancário com 30 anos de vigência (IFAP)
Todavia na Universidade Nova de Lisboa a plataforma de defesa da adesão ao regime fundacional, que parece ter triunfado em toda a linha (enquanto que no ISCTE, U. Aveiro e U. Minho não houve exactamente unanimidade em torno da criação das fundações) utilizou como argumento, quase poderíamos dizer como engodo, a possibilidade de atribuir maiores remunerações em função do mérito. A reter.
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Entretanto que têm a “esquerda” e os sindicatos “de esquerda” contraposto às propostas de criação de universidades – fundações ?
A – O medo da “privatização” e a defesa da “escola pública”.
B – O medo da “precariedade” supostamente inerente à criação de universidades – fundações.
Ora com base no medo temos o que já aqui foi chamado o “sindicalismo assusta e foge” que não mobiliza. E , emanando dos meios sindicais ou não, o argumentário actualmente desenvolvido contra as fundações é o mesmo de há dez anos, com referência a disposições legais e a modelos teóricos, quando seria exigível que se analisassem as experiências concretas registadas nas universidades que têm vivido desde 2008 sob regime de fundação. Vive-se assim tão mal sob esse regime ? Aí está um debate que conviria fazer.
Por isso mesmo, talvez se deva ser mais prudente nas apreciações.
Assim:
A – O modelo fundacional aplicado às entidades públicas não é um modelo de privatização.
Há quem pense que, independentemente das formas jurídico- organizativas (instituto público de regime especial, fundação, entidade pública empresarial, entidade da administração autónoma) há sempre uma universidade – corporação que em última instância as várias formas organizativas visam servir.
Afinal as próprias universidades – ou, para ser mais preciso, o seu establishment – estão envolvidas na procura de fundos e parceiros e na definição da composição do conselho de curadores, tal como na procura de membros externos para os Conselhos Gerais.
Não há, pelo menos na experiência existente, conselhos de curadores hostis ao establishment. Muito embora já tenha acontecido que o conselho de curadores arbitre conflitos internos no establishment, por exemplo quanto à reelegibilidade de um reitor.
B- O modelo fundacional não implica necessariamente precariedade.
Em rigor – e Luis Reto, reitor do ISCTE-IUL disse-o numa sessão que há anos teve lugar no IP Leiria – o contrato de trabalho baseado no Código do Trabalho não é precário e o na altura vigente contrato administrativo de provimento na função pública era-o.
Por outro lado, do ponto de vista da carreira docente universitária o SNESup conseguiu na altura da sua apreciação parlamentar introduzir no respectivo Estatuto a possibilidade de as Universidades – Fundações continuarem a fazer contratos de pessoal docente em regime de contrato de trabalho em funções públicas, o que afastou provisoriamente o cenário do RJIES em que as universidades fundações criariam novas carreiras e até novas categorias (enquanto que as universidades privadas estariam vinculadas à estrutura da carreira pública !) . Tivessem os sindicatos procurado explorar de forma mais pertinaz esta vitória, e teria sido possível:
- utilizar o regime de direito público – contrato de trabalho em funções públicas para o desenvolvimento da carreira pelas categorias de professor auxiliar – professor associado – professor catedrático;
- utilizar o regime do código do trabalho para as categorias extra-carreira, assistente convidado, professor convidado, leitor convertendo-se os contratos a termo certo em contratos por tempo indeterminado por mero decurso do tempo e extinguindo-se esses contratos com indemnização quando o serviço lectivo deixasse de os justificar.
No entanto a falta de visão das universidades fundacionais e a desorientação que parece ter-se apoderado dos próprios sindicatos levaram a que comecem a coexistir na carreira professores nos dois regimes laborais (sendo que no regime do Código do Trabalho já não há concursos) e fora da carreira professores, assistentes convidados e leitores também nos dois regimes laborais, com uma regulação que difere de universidade para universidade.
Não se pode dizer que haja privatização mas existe certamente fragmentação, pelo menos da carreira, e esta tenderá a agravar-se progressivamente .
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