Novo Banco: Auditoria à Auditoria ?

Nuno Ivo Gonçalves

Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

No ensino de Finanças Públicas e nos estudos comparativos sobre o ciclo orçamental e sobre o ciclo da despesa pública é usual distinguir neste último autorização da despesa, realização da despesa, liquidação, autorização de pagamento, pagamento e considerar, do lado da receita, um ciclo com momentos homólogos.

O ciclo da despesa e as “ajudas” aos Bancos

No ensino de Finanças Públicas e nos estudos comparativos sobre o ciclo orçamental e sobre o ciclo da despesa pública é usual distinguir neste último autorização da despesa, realização da despesa, liquidação (apuramento da dívida), autorização de pagamento, pagamento e considerar, do lado da receita, um ciclo com momentos homólogos.

A realização da despesa envolve geralmente, no caso da aquisição de bens e serviços, a celebração de contrato, a encomenda e a recepção. Mas considera-se como realização da despesa um facto surgido fora do ciclo da actividade de Administração donde resulte para o Estado ou para uma entidade pública a obrigação de actuar, inclusive a de reparar / indemnizar. É o que sucede no caso das catástrofes, depois de uma verificação sumária e determinação do curso de actuação a seguir por parte das administrações públicas, cujos órgãos superiores são o Governo, ou, a nível regional, municipal ou paroquial, os governos regionais, as câmaras ou juntas de freguesia ou a nível de intervenção mais especializada as direcções das entidades reguladoras, com maior ou menor autonomia ou independência. Nessas situações, a despesa está “realizada” antes de ser “autorizada”, ou mais precisamente a autorização é um processo sumário ou tem de ser sucessivamente adaptado por exigência das realidades.

As intervenções relativas a bancos inserem-se numa variante do tipo catástrofe. Não falo dos casos do BCP e do BPI em que foram concedidos empréstimos, assimilados, em certos aspectos a prestações de capital, a uma taxa de 8% perfeitamente aceitável do ponto de vista do interesse financeiro do Tesouro, e que foram recuperados. Não falo igualmente do caso da CGD em que uma administração conseguiu afundar o banco público e obrigou à sua recapitalização, tendo o partido cujo Governo nomeou essa administração ficado politicamente incólume. Refiro-me sim aos casos do BPP, BPN, BANIF (na fase final) e do BES/Novo Banco.

Em todos eles o Estado foi forçado a intervir, no caso do BPP para viabilizar o funcionamento de uma administração provisória antes de se ter tornado óbvia a necessidade de liquidação, e nos casos do BPN, BES e BANIF para evitar uma situação que poderia conduzir à cessação de pagamentos aos depositantes e à liquidação dos bancos, sem que houvesse a intenção de promover a continuidade dos acionistas, que vieram a perder as suas posições. Em todas estas intervenções se registaram situações que talvez fosse possível qualificar como de gestão danosa, como a alienação do BPN em condições que lhe permitiam litigar posteriormente contra o Estado e a subscrição do aumento de capital do Banco Efisa para lhe permitir continuar a operar, vindo a ser logo a seguir alienado por menos do que esse valor.

Com o tempo esbateram-se as recordações sobre as origens destas situações e a percepção da obrigatoriedade de pagamento dos encargos gerados, ficando no discurso político – ou melhor dizendo no discurso dos políticos, incluindo o de António Costa e da população mal informada – a percepção de que o Estado estava a ajudar os bancos e de que, ano a ano, se podia optar, na votação do Orçamento do Estado do ano, por não inscrever verbas decorrentes dos compromissos (talvez mal) assumidos e, generalizando-se em consequência os comentários – há dinheiro para os bancos, não há para as progressões salariais, há dinheiro para os bancos, não há para os hospitais, etc.

António Costa
Francisco Louçã

António Costa rasga as vestes quando Centeno, antes de transitar para o cargo de governador do Banco de Portugal lhe diz que já mandou pagar o que decorre dos contratos (mas no dia seguinte amigos como sempre) grupos parlamentares de esquerda e de direita a correm a aprovar inquéritos parlamentares que reverifiquem a auditoria que o próprio parlamento solicitou, sabendo bem que nada irão concluir de muito relevante, e Francisco Louçã na sua coluna do Expresso terá sugerido que a verba para o Novo Banco no OE 2021 só seja incluída num OE suplementar que seria viabilizado à direita. Ou seja, pague-se ao Novo Banco / Lone Star desde que o Bloco de Esquerda não suje as mãos. E não há quem atente em que este cinismo só redunda em descrédito das instituições democráticas.

O campo da auditoria da Deloitte

O relatório encomendado à Deloitte que motivou algum (breve) escândalo nos meios políticos e entre os jornalistas de investigação que, de forma empenhada e competente, vinham analisando a questão das vendas de activos, causou uma alegria esfuziante na Administração do Novo Banco e, com manifestações mais discretas, no Fundo de Resolução, cuja administração é constituída por representantes do Banco de Portugal e da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças.

Em grande parte tal resulta de a Deloitte se ter limitado a procurar confirmar a existência de conformidade do processado com os acordos que entregaram o Novo Banco à Lone Star, num contexto em que intervieram o Estado português, o Banco de Portugal, de quem tinha partido a decisão de Resolução do BES num quadro regulamentar europeu muito recentemente implementado, e a Comissão Europeia, a qual certamente não favoreceu a tomada de controlo por parte do Estado e impôs que o Fundo de Resolução fosse sleeping partner e que o Novo Banco se desfizesse em ritmo acelerado dos seus activos, incluindo participações financeiras, empréstimos dificilmente cobráveis e imóveis dificilmente alienáveis a curto prazo, o que também veio em geral a ser exigido a outros bancos com Non Performing Loans e Non Perfoming Assets.

Seria interessante que fosse avaliado se o contrato de venda defendeu ou não o interesse financeiro do Estado português, e que se comparassem os efeitos, em termos financeiros, do cenário da venda do Novo Banco à Lone Star, que acabou por ser adoptado, e de uma liquidação ordenada do “banco de transição”.

No entanto é certo que não tinha sido pedido que a auditoria questionasse as próprias decisões “fundadoras” da situação que se vive, e talvez fosse difícil a uma qualquer auditora fazê-lo. Mas conviria que o público ficasse alertado para que “mandar fazer uma auditoria” não permite em geral dar resposta a perguntas que não são formuladas nos termos de referência ou cujas respostas não se querem verdadeiramente conhecer.

Luís Máximo dos Santos

Em particular a auditoria poderia ter-se debruçado sobre o chamado “Acordo de capital contingente”, pela qual o Estado se obrigou em geral a compensar o Novo Banco pelas perdas em relação ao valor contabilístico geradas na venda de activos.

Também aqui não tinha sido pedido que a auditora se pronunciasse sobre se as condições do Acordo defendiam ou não o interesse financeiro do Estado – mais concretamente do Fundo de Resolução, que os bancos com obrigação de contribuir para este só ressarcirão, está já convencionado, com um grande atraso.

Limitou-se assim a Deloitte a confirmar se alguns procedimentos que deveriam ter sido implementados pelo Novo Banco o tinham sido ou não, ou, de forma mais subtil, se havia ou não evidência que o permitisse afirmar.

No entanto a forma como em matéria de aquisição / alienação de activos se constituem fundos que podem meros veículos de outras entidades, torna virtualmente impraticável a identificação, exigível, dos beneficiários últimos e a prevenção de conflitos de interesses que para além de assentarem numa formulação vaga – que considera não haver conflito de interesses quando o peso da entidade em relação ao qual estes poderão existir não atinja mais de 25 % do capital do interlocutor envolvido na negociação – assentam, em ultima instância, numa declaração do interlocutor, com os jornalistas de investigação já assinalaram para o caso GNB.

A intervenção do Fundo de Resolução para autorizar algumas operações sujeitas ao mecanismo do capital contingente parece ter tido um impacto muito mais fraco do que seria de esperar. O que não surpreende quando se atenta nas culturas das organizações que concorrem para a sua orientação. A coroa de glória do Banco de Portugal em matéria de gestão de activos parece ter sido a alienação, ao fim de muitos anos, de uma carteira constituída pelos activos da Finangeste que, segundo o que apareceu em alguma comunicação social, terão sido rapidamente revendidos por valores muito superiores. A Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, essa, sempre facilitou o write-off de créditos detidos por outras entidades públicas que lhe foram parar às mãos.

Vender activos sem os valorizar os devidamente porque a liderança do vendedor não tem a memória dos custos anteriores incorridos era de esperar desde que a Lone Star tomou conta do Novo Banco. Ter o incentivo de ser compensada financeiramente pelo Estado, na falta de um controlo adequado, em função das perdas aceites e, é verdadeiramente admirável.

Coreografias parlamentares

Que mil inquéritos e auditorias floresçam no seio da Assembleia da República. Fazendo as perguntas certas e obtendo respostas, talvez se chegue à conclusão de que:

  • – as vendas de créditos se podem ter baseado, com alguma colaboração de quadros ou ex-quadros, na expectativa de celebrar acordos com os devedores, reduzindo o passivo exigível, como já tive ocasião de escrever aqui no Jornal Tornado
  • – a venda dos imóveis incluídos em carteiras foi, como já tive também ocasião de escrever negligenciada durante muito tempo e depois efectuada, pelo menos em alguns dos casos, a fundos constituídos de forma oportunista e não a operadores regulares de mercado, tendo, como já é público, com garantia do próprio banco.

Certamente aplaudirei o esforço desenvolvido mas quase aposto que, como decorre do relatório de auditoria da Deloitte, se concluirá, mesmo assim, que, num caso e no noutro, não foi ilegal, e que, sobretudo, não desrespeitou o Acordo de Capital Contingente.

Quanto à auditoria pedida ao Tribunal de Contas será um instrumento adequado para ficarmos a saber muito mais sobre a actuação do Fundo de Resolução, entidade integrada no Sector Público.

Mas não faltará muito para que surjam na ribalta outros créditos – os resultantes da execução das garantias do Estado aos empréstimos bancários da crise COVID-19. E nessa altura, suspeito, os pagamentos ao Novo Banco serão esquecidos por comparativamente insignificantes.

9-5-2018 “O que o Parlamento pode – e talvez deva – fazer sobre a CGD”, O que o Parlamento pode – e talvez deva – fazer sobre a CGD

O inquérito parlamentar “salvou-se” do ponto de vista mediático pelo espectáculo oferecido pela inquirição de Joe Berardo, quando haveria muitos outros casos a aprofundar. A CGD anunciou vagamente que ia estudar a possibilidade de demandar ex-administradores, coisa de que nunca mais se ouviu falar.

12-8-2020 Às soluções – que deram más provas – adoptadas nos casos do BPN e do BANIF já me referi em “O fantasma das nacionalizações e a inépcia do Estado- accionista passivo”.).

Salvo no plano inicial para tratamento da situação do BANIF em que o Estado aceitou entrar no capital como sleeping partner.

31-08-2020. Deloitte. Relatório. Novo Banco, S.A. Auditoria Especial nos termos da Lei nº 15/2019 -. Versão truncada.

Ressalve-se todavia a reputação de Luís Máximo dos Santos, actual vice-governador do Banco de Portugal com a responsabilidade da área, na condução justamente de operações de liquidação de activos de bancos públicos sujeitos a intervenção.

15-7-2020O mítico valor de mercado, I Parte – A Venda de Créditos.

29-7-2020, O mítico valor de mercado, II Parte – A Venda de Imóveis.


Novo Banco: Auditoria à auditoria?

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Os donos das universidades e das afiliações

Conselho de Catedráticos da Nova SBE vs Susana Peralta e Público

No final do primeiro semestre de 2020 tornou-se conhecida dos leitores do Público e dos universitários seus leitores, que são muitos, uma notícia da maior gravidade em termos de liberdade académica: um tal “Conselho Restrito de Catedráticos” da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, agora autodesignada por “Nova SBE” ter-se-ia pronunciado contra a identificação de Susana Peralta como “Professora de Economia da Nova SBE”, nos artigos que esta economista produz como colunista regular do Público. O problema não estaria em que um professor universitário não pudesse escrever artigos de opinião para a comunicação social, mas sim que a menção dessa “afiliação” comprometeria a escola com as opiniões políticas que a colunista veicularia, e nas quais, segundo os catedráticos que são por essência a alma da instituição, esta não se reconheceria.

Nova SBE em Carcavelos

A notícia suscitou justas reacções por parte de académicos, de organizações sindicais e políticas e do próprio jornal, que me parece serem de elogiar.

Por um lado, desde há muito que um certo núcleo dirigente da Faculdade de Economia sonhava com a criação de um Think Tank que não deixaria de ter a sua base institucional naquela faculdade, e no Conselho de Catedráticos, que segundo o que foi publicado serão 14, ainda há que tenha esteja ligado àquele projecto. Refiro-me por exemplo a Ferreira Machado, então Director da Faculdade e actualmente vice-reitor da Nova, a cujas declarações de 2006 ao jornalista Bruno Faria Lopes, do então “Dia D”, recolhidas no seu trabalho “Os corretores de ideias”, aludi no meu artigo de 29 de janeiro de 2018 (Haverá lugar para os «Think Tanks» na política portuguesa?)





Por outro, Susana Peralta não é a “jovem assistente esquerdista” (ou sequer professora auxiliar esquerdista) que se poderá pretender fazer crer. Professora associada, tem-se ocupado de vários temas no âmbito da Economia e Sociedade e menciona frequentemente nos seus trabalhos colaborações com outros investigadores. Já posteriormente às semanas de tempestade pública, veio a integrar a direcção do Institute of Public Policy, um dos Think Tanks que mencionei no artigo, como vice-presidente, sendo o fundador Paulo Trigo Pereira o presidente e Marina Costa Lobo a outra vice-presidente. Poderia dar vários exemplos de como a manutenção de uma coluna periódica na comunicação social veio não só a constituir um capital académico importante para os seus autores como a abrir caminho para a investigação de diversas problemáticas antes pouco popularizadas.

Aplausos em todo o caso para o Público, que defendeu a sua colunista e deixou claro que não insere artigos sem mencionar a “afiliação” do autor. Entretanto o sector de investigação do jornal entrou em acção e pôs em relevo algumas situações bizarras na Nova SBE, como a circunstância de o Director Daniel Traça acumular funções com as de administrador não-executivo do parceiro Banco Santander.

Destaque também merece a vertente sindical, e político-partidária, com um artigo do dirigente do Sindicato de Professores da Grande Lisboa André Carmo “Nova SBE, regime fundacional e empresarialização do ensino superior” e um artigo do Deputado bloquista, antes estudante e agora museólogo, Luís Monteiro.

Em todo o caso não subscrevo a ideia de que a iniciativa dirigida contra Susana Peralta – a qual, serenamente, mantém a sua coluna com a “afiliação” habitual – seja uma consequência natural do regime fundacional em que a Nova quis ser enquadrada, do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES) aprovado em 2007, ou até da mercantilização do ensino superior, já entrevista antes por Rui Santiago. Posteriormente a 2007 as instituições empolaram as suas estruturas com gabinetes de reitores, presidentes e directores, mas o autoritarismo e a inveja académica sempre estiveram presentes, só que talvez mais disfarçados .

Gonçalo Velho vs Gonçalo Bandeira e Diário do Minho

Ter-se-á estranhado que o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) e o seu Presidente da Direcção não tenham igualmente entrado na liça contra a Nova SBE e o regime fundacional. Seria contudo inoportuno porque Gonçalo Leite Velho havia encetado na mesma altura, em nome da propriedade da “afiliação” uma tentativa de pressão contra o seu homónimo Gonçalo Bandeira a propósito da colaboração deste no Diário do Minho. É mais simples (e imediatamente elucidativo) transcrever o que disse então o primeiro:

 Vem o Sindicato Nacional do Ensino Superior, associação sindical de docentes e investigadores, abreviadamente designado por SNESup, comunicar que a sua representação está estatutariamente reservada à Direção (alínea c do número 4 do artigo 14.º dos estatutos do SNESup).

Recordamos também que a afiliação institucional se liga a matérias de representação, pelo que o uso da referência ao SNESup deve respeitar estas matérias.

Tendo nós tomado conhecimento de que tem sido inscrita uma afiliação institucional ao SNESup nas colunas de opinião do Professor Doutor Gonçalo de Mello Bandeira no Diário do Minho, e sendo que a mesma não se encontra validada nem estatutariamente, nem por qualquer outra ordem, solicitamos que deixe de se inscrever tal afiliação, com efeitos imediatos.

É evidente o disparate para quem lesse os artigos de Gonçalo Bandeira, que apenas se identificava, como tinha direito, em termos até curriculares, como membro da Comissão e Fiscalização e Disciplina do SNESup, de que chegara a ser Presidente, órgão cujas funções ninguém confunde com as de uma Direcção e cujas opiniões sobre problemas profissionais do ensino superior se inserem no mainstream do Sindicato.

Tanto mais que na Revista do Sindicato nº 57 de Janeiro-Fevereiro-Março de 2017, Director Paulo Peixoto, tema de capa “Exploração e Anestesia da Academia”, se incluía na Secção “Livros a ter em conta” o título Justiça & Política com Tempero – Crónicas no Diário do Minho, Autor Gonçalo S. de Melo Bandeira, Editora Juruá, 2016.Exploração e Anestesia da Academia. Crónicas de Gonçalo Bandeira no Diário do Minho

Sei evidentemente que o SNESup se tem fechado, que se dotou de uma estrutura interna em que na Direcção todos são presidentes e coordenadores de qualquer coisa – um presidente, dois vice-presidentes, um coordenador de comissão permanente, cinco áreas de responsabilidade cada uma com um coordenador e com um vice-coordenador – e que no ano passado foi incorporada nos Estatutos, tornando-a rígida, esta organização delirante, que os presidentes da Direcção, Conselho Nacional e Comissão de Fiscalização e Disciplina passaram a ser apoiados por funcionários com funções de “chefes de gabinete” os quais passaram a ser instruídos para escrever aos sócios que pretendem fazer funcionar os mecanismos participativos democráticos: “Encarrega-me o Presidente xxxx, Professor Doutor xxxx, de comunicar xxxx“, e que muitas vezes estas mensagens transcrevem um “Indefiro” ou comunicam que o direito estatutário de acesso a um documento não envolve o direito a obter fotocópia.

Percebo que tudo isto possa significar que a frustração de não progredir na carreira docente criou como compensação o desejo de progredir numa (imaginária) carreira sindical, mimetizando o exercício de funções de gestão nas instituições ou numa Administração Pública que não dava resposta ou “Indeferia” típica dos anos 1950.

Estou a par de que a indicação da “afiliação” suscitou ao próprio Gonçalo Velho, que tem tido largo acesso à comunicação social, problemas nem sempre bem resolvidos: assinou dois artigos no Público ou no Público on line como “Professor universitário”, alguns outros como Professor-Adjunto do Instituto Politécnico de Tomar, e acabou por estabilizar a identificação como Presidente do SNESup.

Doutor em Arqueologia pelo Porto, fez a agulha para um novo doutoramento em Coimbra em “Governação, Conhecimento e Inovação” e consta-me que vem andando pela sede nacional a debitar citações em voz alta. A mim, em Junho do ano passado calhou-me uma de Walter Benjamin. Há semanas, numa reunião falhada (sem quórum) do Conselho Nacional, aproveitou para falar da sua nova tese.

A carta que, sem discussão interna, escreveu ao Director do Diário do Minho a pretender dar uma lição sobre afiliações, ultrapassa os limites numa organização que tem a obrigação de se reger pelos princípios da organização e da gestão democráticas, pelo que deve ser denunciada e o seu alvo, na medida do possível, desagravado.

Não tenho afinidades com Gonçalo Bandeira, Doutor em Direito por Coimbra, e fui algumas vezes crítico de propostas que formulou no âmbito sindical, mas quando presidiu a Comissões de Fiscalização e Disciplina em que por exemplo participaram André Dias Pereira e João da Costa Andrade, mostrou boa capacidade de promover um trabalho de equipa que teria ganho em ser continuado.

Elevadores sociais para dirigentes de instituições e sindicalistas?

Para compreender melhor estes fenómenos de inveja e procura de lugar ao sol, é importante tentar perceber quais os percursos de sucesso a que os dirigentes das instituições aspiram fora do âmbito do sistema: no Governo, particularmente com Ministros ou Secretários das áreas da Educação ou do Ensino Superior, certamente, mas a assunção de funções como Administrador não-executivo de um Banco, como foi o caso de Daniel Traça e do Banco Santander parece ser vista como igualmente um símbolo de sucesso e nem sequer é caso único.

Em relação aos próprios dirigentes sindicais de professores do ensino superior existe a ideia de que alguns deles acabam igualmente por aceder a cargos governativos ou a lugares de dirigentes da administração da educação / formação ou até de instituições de ensino de nomeação governamental porque ainda em regime de instalação.

Numas contas rápidas, para além de percursos em que delegados sindicais do SNESup ascenderam a Secretários de Estado depois de passarem por presidentes dos respectivos politécnicos (Valter Lemos, Sobrinho Teixeira) encontrei quatro ex-presidentes da Direcção que ocuparam lugares no governo ou de nomeação governamental (Pedro Lourtie, Jorge Pedreira, Luís Moutinho, Gonçalo Xufre) mas acredito que tenham sido chamados a essas funções pelo seu conhecimento das problemáticas educativas ou até por ligações políticas ou filosóficas pré-existentes e não por força de um processo de reconversão “patronal”. Não sei se na FENPROF terão existido igualmente casos destes, mas na FNE e no SINDEP quase certamente existiram.

Pensou-se que iria ocorrer outro caso de sucesso quando numa reunião realizada em Fevereiro do ano passado Gonçalo Leite Velho deixou cair para a acta o seguinte:

O Presidente da Direção informou que existe a possibilidade de deixar de ser Presidente da Direção por estar emergente uma oportunidade de passar a ter um cargo numa instituição de ensino superior.

Reitoria da Universidade de Coimbra

Percebia-se pela formulação não se tratar de um cargo electivo na sua própria instituição – Instituto Politécnico de Tomar – mas de um cargo de nomeação. Segundo me chegou posteriormente a oportunidade seria o vir a ser Vice-Reitor na Universidade de Coimbra, ou seja na própria instituição na esfera da qual era aluno de doutoramento. No entanto algo terá corrido de forma diferente do esperado e recentemente o SNESup fulminava no “i” a actual equipa da Reitoria Ensino Superior. Suspeitas de favorecimentos na Universidade de Coimbra

A situação financeira na Universidade de Coimbra tem vindo a agravar-se nos últimos anos e surgem agora suspeitas de alegadas trocas de votos por nomeações para cargos nas últimas eleições – nas quais se elegeu o atual reitor da instituição de ensino. A situação pode agravar ainda mais a crise financeira por que a universidade está a passar. Ao i, o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) assumiu as suspeitas de alegados conflitos de interesse – troca de votos por nomeações – e sublinhou que “importa que o Ministério Público averigue aquilo que se passou em relação a esta eleição”.

Nas últimas eleições, que aconteceram em fevereiro de 2019, o atual reitor Amílcar Falcão venceu com a diferença de quatro votos. Após as eleições, cinco membros do Conselho Geral que deram o seu voto ao atual reitor – dois alunos e três professores – foram convidados pelo reitor para serem vice-reitores ou para trabalharem nos serviços da reitoria.

Relativamente aos professores, explicou Gonçalo Leite Velho, presidente do SNESup, existem “dois membros do Conselho Geral, professores, que passam também para vice-reitores”, acrescentando que “passaram imediatamente a seguir à nomeação do reitor”.

Simples e directo, não há nada como ter tido interesse na causa. Será que o insucesso das suas expectativas explica o ressabiamento que o levou a escrever ao Diário do Minho?

Registe-se também entre os sindicalistas do SNESup a apetência para concorrer a juízes conselheiros do Tribunal de Contas. O último que, reforçado por um doutoramento espanhol e pela titularidade do cargo (jurisdicional) em que sucedeu a Gonçalo Bandeira, o tentou, não conseguiu ainda entrar mas foi entretanto nomeado vice-presidente do seu Instituto Politécnico, e com esse enriquecimento curricular é possível que consiga conquistar lugar em futuro concurso.

Retire-se contudo do que ficou dito que o progresso numa carreira puramente académica já não parece a muitos professores e investigadores realizável. Entretanto a luta em torno das menções de “afiliação” e outros elementos de “capital profissional” vai conhecendo novos episódios um pouco por toda a parte.

Público, 7-7-2020.

Rui Santiago, António Magalhães, Teresa Carvalho (2005), O surgimento do managerialismo no sistema de ensino superior português, Coimbra, CIPES – Fundação das Universidades Portuguesas.

Ofício 107/20 de 16-3-2020.

“A chaleira furada”, em 18-3-2016, e “Governação e Universidade”, em 2-05-2016.

Por exemplo, a sua proposta de que a Comissão de Fiscalização e Disciplina auditasse o apoio jurídico do SNESup, a que a Direcção se opunha por ser ela a quem competia gerir, mereceu-me algumas críticas por se atribuir um peso exagerado às taxas de sucesso nos processos judiciais, o que poderia ter o efeito perverso de levar os advogados a recusar o patrocínio de acções que em termos de viabilidade são casos de fronteira. A recusa da Direcção a qualquer auditoria contudo não fazia sentido: tudo o que é “gerido” pode e deve ser “fiscalizado”.

O antigo Presidente de uma grande escola de engenharia também colunista do Público foi recentemente nomeado administrador não-executivo da Caixa Geral de Depósitos.

Acta da reunião do Conselho Nacional de 2-2-2019.

Jornal “i”, 7-7-2020, Ensino-superior-suspeitas-de-favorecimentos-na-universidade-de-coimbra”.


(Publicado em Jornal Tornado de 4 de Novembro de 2020)

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A orientação política e a escrita do historiador.

A permanência ou re-emergência no presente de debates políticos – ideológicos que marcaram o século XX, coloca por vezes os autores de trabalhos sobre aquele século perante a conveniência (ou não) de explicitar a orientação política subjacente à sua abordagem.

O investigador em ciências sociais, seja em história contemporânea seja em outro objecto de pesquisa, certamente não está livre de ideias – se estivesse pergunta-se que trabalho científico poderia realizar essa cabeça vazia – e tem consciência de que estas vão à partida influenciar o próprio modelo de análise que vier a construir.

Há certamente cânones académicos para a realização e apresentação de resultados de investigação e, para algumas publicações, procedimentos de peer review.

No entanto, da forma como o investigador apresenta os seus resultados designadamente em livro, depende a sua legibilidade, o favor do público leitor (no qual, sem peer review formal, se incluirão muitos dos seus colegas de profissão) e até as possibilidades futuras de financiamento do trabalho do investigador ou o prosseguimento da sua carreira[i].

Haverá então expectativas a gerir, e o investigador tem de ser um bom escritor para concitar e manter, durante a leitura, interesse pela obra, sem perder de vista que há reacções primárias que se torna difícil evitar.

Por exemplo não falta quem julgue das preferências ideológicas dos autores de obras sobre história contemporânea, pelo tema que escolhem tratar.

Filipe Ribeiro de Meneses e Salazar

Assim, Salazar – uma biografia política, de Filipe Ribeiro de Meneses (Dom Quixote, 2010) foi encarado, por quem não o leu (nem o queria ler…) como indício das supostas inclinações salazaristas do autor[ii].

Todavia, a obra, escrita em inglês por “um estrangeirado” residente na Irlanda para um público de língua inglesa, não exalta propriamente os valores anti-democráticos do regime, nem o público para o qual escreve o admitiria.

O livro, que se lê bem, considera logo no início haver “algum exagero” na afirmação de Salazar de que tinha “nascido pobre” e permite-se brincar um pouco com o apelido do filho de António de Oliveira e de Maria do Resgate Salazar:

O seu apelido não seguiu o padrão habitual de ter o sobrenome paterno no fim. Este incidente levou a que, no futuro, viesse a ser conhecido pelo menos usual e mais sonoro apelido materno, de origem espanhola. O nome mais comum de Oliveira porventura não se teria coadunado tão bem com os seus objectivos políticos; é decerto difícil imaginar as fileiras de uma milícia armada a responderem em uníssono à pergunta sobre “quem comanda?”[iii] com um “Oliveira, Oliveira, Oliveira”. Talvez esta seja apenas uma partida pregada por um olhar retrospectivo e seja, como for, Salazar não se preocupou muito com a sua milícia (Capítulo I).

Há várias observações críticas de outros investigadores à factualidade retida por Filipe Ribeiro de Meneses e permito-me pela minha parte formular uma logo em relação ao primeiro parágrafo da obra:

Em 1928, aos trinta e nove anos de idade, tornou-se o “ditador das finanças” do país, assumindo o Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço; quatro anos depois, mudou-se para o Palácio de São Bento, ao ser nomeado presidente do Conselho de Ministros, cargo que havia de ocupar durante os 36 anos seguintes.

Por um lado, Salazar sucedeu ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, sendo que “Presidente do Conselho de Ministros” seria já uma construção política da Constituição de 1933, colocada a plebiscito no ano seguinte.

Por outro, a Presidência do Ministério estava então instalada no Terreiro do Paço, sendo que, ao que conta Marcelo Caetano em Minhas Memórias de Salazar[iv], este, quando sucedeu em 1932 ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, nunca foi sequer ao correspondente gabinete, e, depois da entrada em vigor, em 1933, da Constituição e da sua nomeação como Presidente do Conselho de Ministros, manteve o gabinete que utilizava como Ministro das Finanças e afectou o antigo gabinete do Presidente do Ministério ao Subsecretário de Estado das Finanças então nomeado, João Pinto da Costa Leite (Lumbrales).

A residência oficial do Presidente do Conselho de Ministros foi instalada num palacete adjacente ao Palácio de São Bento, então denominado Palácio da Assembleia Nacional, expropriado para o efeito e Salazar começou a utilizá-la logo em 1938. A instalação do Presidente do Executivo e de outros órgãos junto à sede do Legislativo nunca poderia ter tido lugar na República parlamentar ou mesmo numa Ditadura Militar ainda hesitante sobre a configuração do novo poder. Repare-se aliás que do ponto de vista físico e até administrativo, Salazar também construiu o espaço que foi ocupar.

No plano do apoio administrativo, Salazar atribuiu, ainda corria o ano de 1933, à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças o apoio à Presidência do Conselho de Ministros “enquanto a Presidência do Conselho estiver confiada ao Ministro das Finanças”, só em 1938, perante o reconhecimento de que esta Secretaria-Geral não podia “sobretudo depois da instalação da Presidência do Conselho no Palácio de S. Bento“ assegurar satisfatoriamente estas funções se decidindo a criar uma Secretaria da Presidência do Conselho, extinguindo a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, cujas funções próprias ficaram a ser asseguradas por serviços da Direcção-Geral da Fazenda Pública considerando-se o respectivo Director-Geral investido por inerência das funções de Secretário-Geral.

É muito curioso que Filipe Ribeiro de Meneses tenha caído na armadilha de descrever o passado à semelhança de um futuro que ainda não existia, mas isto não mostra propriamente um viés ideológico.


José Manuel Tavares Castilho e Marcelo Caetano

José Manuel Tavares Castilho que publicou um bem construído e documentado Marcello Caetano – uma biografia política (Almedina, 2012), também de fácil e agradável leitura, onde deixa claro não se identificar politicamente com o biografado, apresentou na sua tese de doutoramento realizada no ISCTE um curriculum vitae, cuja junção era então obrigatória, em que apenas regista actividades com interesse académico, mostrando que começou a conquistar graus académicos – licenciatura, mestrado, doutoramento já muito tarde, mas nada revelando sobre outros aspectos da vida profissional e pessoal.
Todavia regista a participação num debate local por altura das primeiras eleições do “marcelismo” em 1969 e as críticas (correctas) que faz na tese à manipulação, também nessa altura, do recenseamento eleitoral, quando sem isso Marcelo poderia ter ganho de forma indiscutível as eleições faz-me interrogar sobre se na ausência de outro tipo de condições políticas se poderia considerar que existia democracia e se houve qualquer episódio que nessa altura tivesse sensibilizado especialmente o autor para esse ponto.

Já tive ocasião contudo de corroborar que o prefaciador[v] desta biografia política tinha alguma razão ao afirmar que o não considerar na biografia outras vertentes da actividade de Marcello Caetano prejudicava o trabalho. Darei um exemplo:

A desvalorização do Congresso e da integração de Marcelo Caetano no Bureau do Instituto Internacional como Vice-Presidente só se explicam em Franco Nogueira pela aversão a Marcelo Caetano que perpassa em todo o seu Salazar, uma vez que na altura o Estado português procurava acompanhar o esforço de recomposição das organizações internacionais. Mas o seu próprio “biógrafo político” José Manuel Tavares Castilho afirma que, depois de chefiar a delegação portuguesa à Conferência Internacional do Trabalho “participaria, agora na sua qualidade de professor universitário, no Congresso Internacional de Ciências Administrativas, em Berna.

No entanto, Marcelo Caetano é muito claro ao escrever em 7 de Agosto ao Director-Geral dos Negócios Políticos: “Para os devidos efeitos comunico a V.Exa, que, de regresso da Suíça, cheguei a Lisboa no dia 5 do corrente, concluindo assim as duas missões de que fui encarregado por esse Ministério”. Na comunicação, que pode ser encontrada no AHD refere que na primeira missão (OIT, Genebra) era chefe de delegação e que na segunda (IICA, Berna) a delegação “compreendia também os snrs. Prof. Dr. José Carlos Moreira e dr. António Pedrosa Pires de Lima e, consoante declaração destes delegados ao snr. Ministro de Portugal em Berna, não tinha chefe.” Conforme explica, aguardou na Suiça de 11 a 22 de Julho o início da segunda missão[vi]

J. Bowyer Bell e o Exército Republicano Irlandês

IRA – o Exército Secreto publicado em 1974 pela Editorial Inova (o título original, na edição publicada em New York, incorpora, como é usual em trabalhos académicos de História, a indicação do período estudado: The Secret Army The IRA (1916 – 1970).

Este autor norte-americano (1931-2003) que posteriormente ao resultado desta “aventura académica”, acabou por publicar diversos outros trabalhos sobre a Irlanda, a ponto de ser considerado um especialista em terrorismo, não é certamente um apologista da luta armada pela reunificação da Irlanda[vii], mas parece ter captado a dinâmica das sucessivas reconstituições das organizações republicanas, das quais foram saindo sucessivamente partidos com vocação de poder, que ainda hoje dominam a vida política dos trinta e dois condados.

Ciente da escassez de fontes documentais, sujeitas a destruições periódicas aquando das mudanças políticas, baseou muito do seu trabalho em entrevistas e conseguiu mesmo uma reunião inicial com o Conselho Directivo do IRA.

Nada me teria sido possível fazer sem a tolerância, e por vezes o encorajamento, do anónimo Conselho Directivo. Em resultado desse encontro no salão do primeiro andar do Hotel Russell, passei mais tempo a tratar do IRA que muitos bons voluntários passaram nele.

O livro termina por alturas de 1969, numa situação de cisão entre Oficiais e Provisórios e com o aparecimento dos movimento dos direitos civis no Ulster. Seguiram-se muitos anos de confrontos até ao chamado Acordo de Sexta-Feira Santa. Posso dizer em favor desta obra que me foi sempre, desde que o li pela primeira vez, um bom auxiliar na interpretação dos acontecimentos posteriores.

Riccardo Marchi e os verdadeiros fascistas

Império, Nação, Revolução – As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974), Texto, 2009, procura reunir dados relativos à actividade da extrema-direita no período posterior à II Guerra Mundial em que esta perde algumas figuras emblemáticas dos anos 1930 que durante a ocupação da França pela Alemanha haviam colaborado com os ocupantes, passando a ter o estatuto de “mártires” e que se vai fundindo e cindindo em organizações grupusculares, por vezes com pretensões de representatividade pan-europeias.
Riccardo Marchi vai mapeando as organizações portuguesas e as suas ligações externas, a sua fidelidade a uma certa imagem de Salazar e as suas distâncias em relação ao regime, que em alguns casos são meramente verbais uma vez que vão vivendo de fundos públicos, veiculados sobretudo através dos serviços da PIDE e da Legião, jogo que se torna mais difícil, quando, passando Marcelo Caetano a Presidente do Conselho, pretendem começar a criticá-lo abertamente. O autor expõe sem ambiguidades estas situações e o contributo de alguns dos membros destas organizações para a formação de comissões administrativas de associações de estudantes cujas eleições não são homologadas.

Poderá ser má leitura minha mas estas ligações, que são claramente expostas e tendencialmente desprestigiantes em Lisboa, não parecem no livro tão claras em Coimbra e Porto, sobretudo a partir de momento em que com algum apoio governamental, se constituiu em ambas as cidades a Cooperativa Cidadela, em cujos corpos gerentes, de que os nomes são integralmente transcritos, se incluem alguns próceres da política futura. E, apesar da referenciação de documentação inconcludente, não se percebe a relação entre estes “nacionais – revolucionários” e uma misteriosa ANSA que assinava comunicados em Coimbra.

Riccardo Marchi regista a consulta de “arquivos particulares e a realização de entrevistas com antigos dirigentes desta área o que realmente permite integrar várias fontes. Julgo que no caso de Coimbra importaria pedir também pistas ao “outro lado”.

Numa coisa tem razão, após o 25 de Abril a extrema-direita soube reagir mais rapidamente.

Como o autor nasceu em Itália em 1974, não lhe apontem culpas no cartório. Mas essa época, que tendeu a ser esquecida, vem bem explicada em Quando Portugal Ardeu, de Miguel Carvalho.

NOTAS

[i] Recordo-me de, nos primeiros regulamentos de avaliação de desempenho aplicáveis à carreira docente universitária após a revisão do ECDU em 2009 e 2010, de o ISCTE-IUL ter admitido que, na área de História, a publicação de livros (e não apenas a de artigos científicos) tivesse relevância, e de a Universidade da Madeira ter atribuído maior ponderação à publicação de livros com tiragem mais elevada.

[ii] Foi igualmente tida como indicação do carácter neo-salazarista e liberal da política de Pedro Passos Coelho a circunstância de o Chefe do Gabinete deste ser irmão do biógrafo de Salazar!

[iii] Julgo que a pergunta aos legionários era “quem manda?” e não “quem comanda?”. Talvez se trate uma consequência de o autor escrever em inglês mas não ter sido ele a traduzir para português.

[iv] 1997, pp 58-59.

[v] Marcelo Rebelo de Sousa.

[vi] Do meu livro de 2019, As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012)

[vii] Veja-se em todo o caso o obituário publicado pelo Independent, J. Bowyer Bell

(Publicado no Jornal Tornado em 9 de Setembro de 2020)

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Jorge Pais de Sousa e a “ditadura de doutores” de Salazar

No seu o Fascismo Catedrático de Salazar: Das origens na I Guerra Mundial à Intervenção Militar na Guerra Civil de Espanha (1914-1939), Jorge Pais de Sousa debruça-se sobre os processos que, nos domínios politico, social e cultural, levaram ao fim da I República e à sua sucessão por um Estado Novo.

No seu o Fascismo Catedrático de Salazar: Das origens na I Guerra Mundial à Intervenção Militar na Guerra Civil de Espanha (1914-1939), Jorge Pais de Sousa debruça-se como dissemos no artigo anterior (Jorge Pais de Sousa e os militares alunos de Salazar) , sobre os processos que, nos domínios politico, social e cultural, levaram ao fim da I República e à sua sucessão por um Estado Novo, mas é de realçar que apoiando-se no historiador da I Guerra Mundial Martin Gilbert o qual, refere, “identificou e equacionou o problema da existência de uma guerra ideológica e de propaganda, paralela e complementar à guerra que era travada nas trincheiras e nos campos de batalha”, definiu um objecto específico do seu estudo:

Neste contexto é nosso objectivo, no domínio específico do confronto ou da guerra ideológica, identificar a emergência e a afirmação crescente de uma linha de comportamento e de intervenção política protagonizada por intelectuais de matriz e de posicionamento nacionalistas. Intelectuais de índole diversa e que plasmaram as suas posições políticas em textos produzidos, na sua diferente qualidade de escritores, jornalistas, artistas plásticos, e até enquanto professores universitários. No entanto, é importante frisar que esta linha de comportamento politico, ao nível do discurso intelectual, foi também ela autónoma dos partidos políticos da I República, mas teve, também ela, como objectivo último combater os resultados da acção política de Afonso Costa e do PRP / Partido Democrático na vida pública.

Não sendo possível reproduzir aqui todos os itinerários percorridos no livro, é de chamar a atenção, ainda num plano essencialmente politico, para as referências à formação da corrente integralista, para o início da intervenção dos católicos enquanto tais nos tempos do Centro Académico de Democracia Cristã (em que nos mostra Salazar e Cerejeira em Março 1914, cada um com uma pistola no bolso do sobretudo, na expectativa de confronto físico com republicanos a propósito da desafectação do culto da Igreja de São João de Almedina e sua integração no Museu Nacional Machado de Castro) e , numa fase mais madura, com a criação do Centro Católico pelo qual Salazar falha uma eleição e consegue outra, por Guimarães, no âmbito de um acordo com os republicanos evolucionistas sendo que Cerejeira, depois de se doutorar em Letras com uma tese sobre Nicolau Clenardo, irá percorrer uma carreira eclesiástica que o levará a Patriarca de Lisboa, e ainda para a existência enquanto tais, de monárquicos “constitucionalistas” e “miguelistas”, divisão atenuada por força de um pacto que reconhecia os direitos de acesso ao trono do ramo miguelista no caso de o ramo constitucional se extinguir, como viria a acontecer 20 anos depois.

Desde o lançamento, sob o Sidonismo, com o apoio de algumas personalidades republicanas, da Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, com o objectivo de, segundo Jorge Pais de Sousa, “constituir uma liga patriótica que superasse as divisões partidárias e unisse os portugueses em torno de uma figura e de um culto ao herói nacional Nuno Álvares”, que nesta vinha participando um número crescente de personalidades conservadoras.

Cardeal Cerejeira e Salazar

Baseando-se em Ernesto Castro Leal Jorge Pais de Sousa refere que na segunda fase da vida desta liga, decorrida entre 1921 e 1924 , a sua direcção distrital de Coimbra seria constituída essencialmente por professores universitários católicos: João Serras e Silva (presidente), José Alberto dos Reis (vice-presidente) e António de Oliveira Salazar, Manuel Gonçalves Cerejeira, Fortunato de Almeida e José Beleza dos Santos (vogais) sem que contudo a pertença de Salazar e de Cerejeira esteja referida em textos respectivamente biográfico e auto-biográfico. E regista igualmente:

A fase seguinte, que decorre entre 1924 e 1926 e onde se regista algum declínio da organização, representa um aumento de conflitualidade interna de vias possíveis, entre o presidencialismo republicano, a atracção fascista e o nacionalismo abrangente. A procura de uma solução de compromisso ficou reflectida na constituição de uma Junta Consultiva no ano de 1924, na qual encontramos uma espécie de “federação” de posições políticas por vezes até opostas, como se pode ver pela sua composição: “presidente Pedro José da Cunha; vogais, João Tamagnini Barbosa (presidencialista), João de Castro Osório (fascista), Hipólito Raposo (monárquico integralista), Mário de Aguiar (monárquico constitucionalista), Diogo Pacheco de Amorim (católico), Jorge Alexandre Barreto (democrático), Júlio Cruz (nacionalista), Maciel Bastos Marques (radical), Joaquim Teixeira Beltrão Júnios (miguelista) e Francisco Duarte Salvado (socialista). É nesta fase também que Filomeno da Câmara e Martinho Nobre de Melo, pela sua cumplicidade com o general Gomes da Costa, procuram utilizar a cruzada para conspirarem contra a República e levarem os militares a tomar o poder.

“Só um fascista?”, perguntará o leitor que já terá ouvido falar de alguns destes nomes. A verdade é que Jorge Pais de Sousa, que destaca o impacto do pensamento deste intelectual hoje praticamente olvidado, identifica como tais outros civis e militares que haviam colaborado com Sidónio Pais e vieram a tomar como referência os movimentos de Mussolini em Itália, e de Primo de Rivera, em Espanha, como é o caso de Francisco Homem Cristo Filho que residia em França, entrevistara o Duce em 1923 e publicara a entrevista em livro sob o título MussoliniBatisseur de L´Avenir. Harangue aux Foules Latines, falecendo num acidente de automóvel em 1928 “quando estava próximo de chegar a Roma e em condições nunca verdadeiramente esclarecidas”, julgou necessário o autor dizer. E, é claro, de António Ferro.

António Ferro, que, mostra o autor, sempre procurou alguém que pudesse eleger como seu Chefe, fosse Sidónio, fosse D´Annunzio que entrevista durante a ocupação de Fiume no pós-guerra pelos voluntários deste, fosse Mussolini, que também entrevistou, fosse Filomeno da Câmara em cujos malogrados golpes de 18 de Abril de 1925 e dos “Fifis” se compromete e que acompanha na sua última passagem por Angola como governador, e que, longe de ser o genial criador da imagem mediática de Salazar, se mostra no livro ter sido estreitamente controlado por este em tal produção.

António Ferro e Salazar

António Ferro que estaria destinado a estimular e apoiar escritores, artistas plásticos, arquitectos, através de prémios, encomendas e subsídios do SPN/SNI, antes mesmo da criação deste, e até jornalistas, isto é “rapazes, cheios de talento e de mocidade que esperam, ansiosamente, para serem úteis ao seu país, que o Estado se resolva a olhar para eles” , por exemplo os que participavam no movimento futurista tais como Almada Negreiros e Fernando Pessoa, do qual o autor transcreve numerosos escritos, em nome próprio ou do seu heterónimo Álvaro Campos, antes e depois do período da sua militância sidonista, contra a República e as suas principais figuras, designadamente Afonso Costa “Lenine de capote e lenço”, sobre o qual aquando de um grave acidente derivado da queda de um eléctrico já havia dito constituir o desastre um alto ensinamento da “Providência Divina.

Jorge Pais de Sousa, que não acompanha no seu livro as tentativas do pós-guerra de formação de um grande partido republicano conservador capaz de disputar o poder ao Partido Democrático, mostra contudo que a União Liberal Republicana, que se formou pouco antes do 28 de Maio de 1926, reuniu brevemente, sob a égide de Cunha Leal, republicano que passara pelo sidonismo mas se pronunciara contra as tentativas de restauração monárquica e estaria disposto a aceitar uma “ditadura breve”, de tipo comissarial, mas não uma “ditadura eterna” de tipo soberano, um conjunto de figuras que tinham um passado republicano, como Mendes Cabeçadas e Bissaia Barreto, ou sidonista, como Jorge Botelho Moniz, Teófilo Duarte e Eurico Cameira, ou não tinham experiência anterior de direcção partidária, como Mário Pais de Sousa. Mendes Cabeçadas primeiro presidente do Ministério após o 28 de Maio de 1926 foi rapidamente substituído por Gomes da Costa, sob pressão dos oficiais monárquicos, e Cunha Leal manter-se-á até 1930 nas margens da Situação, mas os seus colegas da direcção da União vão-se na sua maioria afastando dele. Mário Pais de Sousa primeiro governador civil de Coimbra, depois Ministro do Interior, considerado francamente liberal, terá sido o primeiro a anunciar a criação de um Estado Novo.

É conhecido, pelos trabalhos de João Medina e de António Costa Pinto como também no Movimento Nacional Sindicalista de Rolão Preto se produziu uma cisão que levou a maioria dos seus membros para a União Nacional. Pergunta-se então quais seriam as referências aglutinadoras da base de apoio de Salazar.

Apoiando-se em Miguel de Unamuno, que criou a designação “Fascismo de Cátedra” por contraposição a “Socialismo de Cátedra”:

La dictadura del núcleo que representa Oliveira Salazar es una dictadura académico-castrense o, sise quiero, bélico-escolástica. Dictadura de generales – o coroneles – y de catedráticos, com alguma que outra gota eclesiástica,

Jorge Pais de Sousa realça que Salazar chamou a colaborar consigo na pasta das Finanças como Subsecretários de Estado , que a seguir seriam sucessivamente nomeados Ministros, dois doutores de Coimbra – João da Costa Leite (Lumbrales), que lhe sucederia nas cadeiras de Finanças e de Economia Política, e Artur Águedo de Oliveira, que ficaria com a Presidência do então restabelecido Tribunal de Contas – e que nos primeiros anos do Estado Novo muitos catedráticos seriam chamados a exercer funções governativas ou de alta administração.

João da Costa Leite (Lumbrales)
Artur Águedo de Oliveira

Em seu apoio não deixa de transcrever uma menção do discurso com que Salazar inaugurou em 22 de Novembro de 1951, o 3º Congresso da União Nacional realizado em Coimbra:

Muitos, lá fora, não atinando com designação apropriada, chamam-nos uma “ditadura de doutores” não depreciativamente – seria falho de senso – mas para exprimir que os universitários puros ou desinteressados exercem entre nós as funções de comando e têm dado ao regime o seu substracto intelectual. 

Toda a aparente segurança evidenciada por Salazar não impedia que este, durante algum tempo, pelo menos, se medisse por Afonso Costa, que aliás várias vezes elogiou pelos seus resultados enquanto Ministro das Finanças (1912-1914). Jorge Pais de Sousa identificou o célebre “Sei muito bem o que quero e para onde vou” de uma das primeiras intervenções públicas de Salazar” como a retoma de formula adoptada pelo politico republicano na Moção que apresentou à Câmara dos Deputados em 4 de Março de 1915 em condenação da instauração da ditadura “comissarial” de Pimenta de Castro:

Na moção que vou mandar para a mesa resume-se o meu pensamento. Essa moção é serena, calma, essencialmente, jurídica, própria de homens que sabem o que querem e para onde vão.

E o autor, que ao longo do seu trabalho, sem afectar o rigor e autenticidade da investigação, valores que muito prezava, não deixou de sustentar mais do que uma vez a ilegitimidade dos movimentos contra a República e do derrube de Governos democraticamente constituídos, e se apercebeu de que de algum modo o Estado Novo tinha conseguido apagar ou distorcer muitas memórias desse período, passou a concentrar a sua investigação em Afonso Costa.

Julgo que não a terá concluído antes de falecer, mas depois de ler O Fascismo Catedrático de Salazar ainda mais me repugna a ideia de um roteiro de “figuras históricas” em que em Seia se visita Afonso Costa e em Santa Comba Dão Oliveira Salazar.





Mais tarde, nas “conversas” com António Ferro, este procurará dar a ideia de que Salazar foi a uma sessão e não mais voltou por desinteresse pela actividade do Parlamento, mas na realidade o Centro Católico, que reconhecia a República, procurava na altura obter expressão parlamentar e se a experiência se não prolongou terá sido porque foram convocadas novas eleições na sequência do fracasso político do movimento outubrista de 1921.

Pacto de Dover, assinado em 30 de Janeiro de 2012.

Nação e Nacionalismos : A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira e as Origens do Estado Novo (1918-1938).

Está hoje em dia esquecido que uma das razões que levou a em Itália ter sido considerada a vitória na I Guerra Mundial como “vitória mutilada” foi o não lhe terem sido anexadas as cidades da Dalmácia entre as quais Fiume, sobre as quais tinha tido historicamente influência e que ficaram integradas na então criada Jugoslávia.

Jorge Pais de Sousa refere-se também ao movimento futurista em Itália, de que um dos expoentes foi Marinetti, referindo que ao contrário do que sucedera com os futuristas portugueses, os seus participantes tinham conhecido individualmente a experiência da guerra.

No que se refere ao “depois”, no jornal “Acção” do Núcleo de Acção Nacional, dirigido por Geraldo Coelho de Jesus, sendo patrão deste nas minas de Porto de Mós o capitalista Soares Franco, financiador do jornal.

O discurso de ódio, em termos que fazem lembrar os actuais comentários on line em muitas publicações, formulados a coberto do anonimato ou de perfis falsos, foi muito utilizado contra a República e os republicanos de várias tendências, como Luís Farinha mostrou a propósito dos Ridículos no seu Cunha Leal, Deputado e Ministro da República. Um notável rebelde.

Segundo informação que nos foi prestada por Luís Reis Torgal, Mário Pais de Sousa era tio do autor. Este assinala existir uma versão das Lições de Finanças de Salazar redigida pelo na altura seu aluno.

1935.

Nota no entanto o autor que alguns catedráticos de Coimbra se transferiram para Lisboa de forma a poderem assegurar funções em conselhos de administração de empresas para que haviam sido entretanto nomeados. Também não deixa de se referir à legislação que a partir de 1935 permitiu depurar os corpos docentes universitários e condicionar admissões.

Confrontado com a possibilidade de extinção da Maçonaria, a que se opunha, o próprio Fernando Pessoa viria, segundo colecção de textos editada por José Barreto, a manifestar a sua consideração por Afonso Costa:

Por isso esta confiança, que tenho no Prof. Salazar, me não impõe a mais pequena sombra de aversão a, por exemplo, o Prof. Afonso Costa. Timbro em afirmar por ele a minha absoluta consideração. Esse homem foi o único que cumpriu integralmente, no Governo Provisório, o que prometera na propaganda … Não sou evidentemente seu correligionário, mas não consigo ser seu inimigo. Nego-lhe o meu apoio: não posso negar-lhe o meu respeito.

Fernando Pessoa e o fascismo

(in Jornal Tornado, de 21 de Outubro de 2020)

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Jorge Pais de Sousa e os militares alunos de Salazar

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O “Partido do Centro”

Tenho referido várias vezes, inclusive no Jornal Tornado de O fascismo irá regressar a Portugal? (19-12-2018) e no de Desenterrar Salazar? (25-9-2019), que o Estado Novo se consolidou em torno da formação de um bloco no poder na origem heterogéneo, que abrangeu também personalidades republicanas e liberais. De modo geral os mecanismos políticos, administrativos, económicos e financeiros dessa consolidação estão pouco estudados.

Uma das excepções é Bissaya Barreto: Ordem e Progresso que corresponde a uma tese de mestrado de Jorge Pais de Sousa de que foi orientador Luís Reis Torgal, defendida em 1999 e seguidamente publicada, a qual se esgotou, tendo o seu autor, entretanto doutorado, resolvido elaborar uma edição actualizada, publicada pelas Edições Almedina em 2018, iniciativa custeada na íntegra pela Fundação Bissaya Barreto [i].

Pessoalmente, tinha desde há muito tempo de Bissaia Barreto [ii], aliás Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa (1886 – 1974) a ideia de que havia estado envolvido na proclamação da República (julgo mesmo que teria participado no acto realizado na varanda da Câmara Municipal de Lisboa [iii]), que era amigo pessoal de Salazar, que aderira publicamente à União Nacional aquando da criação desta – e isto a partir de uma referência nos Anais da Revolução Nacional, Vol lII 1930-1936, onde se fala do esboço de formação, em 1931, de uma Aliança Republicano-Socialista, e se regista em Janeiro do ano seguinte:

Mas em Coimbra, arrastando consigo os numerosos partidários que tem no distrito, o doutor Bissaia Barreto adere à União Nacional. A ‘frente única’ dos partidos abre brecha, assim.”

E que estava presente quando Salazar teve de ser operado em 1968 a seguir à queda da cadeira.

O trabalho de Jorge Pais de Sousa, para além de referir o enquadramento familiar do biografado, nascido em Castanheira de Pera, começa por desenvolver a greve académica de 1907 na Universidade de Coimbra e a participação de Bissaia Barreto, inscrito simultaneamente em Filosofia, Medicina e Matemática, na liderança do movimento que, já sintonizado com alguns professores, luta contra o autoritarismo e pela abertura da Universidade a novas ideias, pela reintegração de sete estudantes excluídos, com os quais a academia se solidariza tendo 160 estudantes intransigentes, entre os quais se encontravam muitos dos melhores alunos, como Bissaia Barreto [iv] e Aureliano de Mira Fernandes [v], e muitos nomes que se viriam a destacar na vida política, académica e cultural, recusado inscrever-se para prestar provas de exame. Instaurada enquanto decorria este processo a ditadura de João Franco as actuações deste vieram agravar a situação, que só foi ultrapassada pela intervenção do Reitor junto de D. Carlos. Sobreveio o Regicídio e os estudantes mais avançados continuaram a recusar a Monarquia de D. Manuel II. Entre outros, Bissaia Barreto (“não conheço o Rei …”) e Mira Fernandes que se viria a licenciar em Matemática com 20 valores recusaram-se a receber galardões académicos das mãos deste [vi].

Este estudante intransigente é também um republicano convicto que vem a integrar o Centro Académico Republicano de Coimbra (em 1908 forma-se também um Centro Académico Monárquico), a participar no Partido Republicano Português, aqui sem intervenções conhecidas, e se filia na Maçonaria (irmão Saint Just) e na Carbonária de Coimbra. Derrubada a Monarquia é eleito deputado à Constituinte, alinhando com o Partido Republicano Evolucionista de António José de Almeida, que, sem sucesso, defende uma câmara alta de representação de interesses. Sidónio Pais, que se situava na área da União Republicana de Brito Camacho na altura – Dezembro de 1917 – em que deu o seu golpe, acolhe na República Nova uma solução deste tipo embora falhe a tentativa de atrair António José de Almeida para a área do poder (como se refere em Sidónio Pais, Ídolo e Mártir da República, de Rocha Martins).

Em 1919 quatro professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Carneiro Pacheco, Fezas Vital, Magalhães-Colaço e Oliveira Salazar) são objecto de um inquérito a eventuais convicções e actuações pro-monárquicas. Jorge Pais de Sousa situa no posicionamento de Bissaia Barreto (que depois das eleições de 1911 se tinha oposto a uma proposta de encerramento da Universidade de Coimbra formulada em sede parlamentar) nessa altura o início da grande proximidade pessoal que existiu durante cinquenta anos entre ele e Salazar [vii].

No entanto o itinerário politico de Bissaia Barreto, que se licenciara em 1911, se doutorara em 1915, e a partir daí viria a percorrer o cursus honorum até professor catedrático da Universidade de Coimbra, jubilando-se em 1956, é mais complexo, e o autor refere que na reorganização da direita republicana a que se assistiu depois do fim do Sidonismo, integrou a Comissão Executiva da União Liberal Republicana de Cunha Leal, e aceitou, em 1927, já sob a Ditadura Militar, a presidência da Junta Geral do Distrito de Coimbra, a que sucederia, com o Código Administrativo de 1936, a da Junta Provincial da Beira Litoral e em 1959, com nova reorganização do território, a da Junta Distrital de Coimbra [viii]. Segundo Jorge Pais de Sousa o vasto trabalho de Bissaia Barreto, nestas funções de presidente, no domínio da Assistência Pública, definida em termos amplos e que abrangia a Saúde (em geral, mas especialmente a luta anti-tuberculosa, a saúde mental e a protecção às grávidas), a Formação Profissional, a Educação Infantil, dá de algum modo sequência, numa base regional, ao programa que havia sido o dos republicanos evolucionistas. De registar também a formação em enfermagem e em serviço social.

Não resisto, numa altura em que muita gente de Coimbra luta pela recuperação do papel dos Covões, fundado por Bissaia Barreto, a transcrever:

Hospitais Civis que só existiam em Lisboa e no Porto, e que correm hoje o sério risco de desaparecerem ou se diluírem, mas que, em 1979, foram um forte contributo que resultou da acção política de Bissaya Barreto para a criação do Serviço Nacional de Saúde em Portugal. Vieram fazer concorrência, na altura, ao monopólio assistencial dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) expandir a cobertura e a qualidade dos cuidados de saúde prestados às populações de Coimbra e da Região Centro.

Hospital dos Covões, Coimbra

Jorge Pais de Sousa sugere que a acção de Bissaia Barreto no domínio social, embora de modo geral apoiada por Salazar, terá sido em parte articulada com os seus ex-correligionários evolucionistas de Coimbra – que se movimentaram por exemplo em conjunto para pedir que fosse dado o nome de António José de Almeida a uma rua de Coimbra – e que haveria interesse em realizar um “estudo monográfico” sobre o preenchimento de cargos por republicanos na região. Tanto Mário Pais de Sousa como Albino dos Reis, que foram sucessivamente nomeados Governadores Civis de Coimbra e Ministros do Interior de Salazar, haviam sido, como Bissaia Barreto, dirigentes da União Liberal Republicana de Cunha Leal, mas é a outros nomes e a cargos de menor relevo que, julgo, se aplica a recomendação de Jorge Pais de Sousa.

Em apoio desta leitura, o autor refere que a PIDE organizou três processos sobre Bissaia Barreto, um dos quais sintomaticamente intitulado de “Partido do Centro”, e que aquele professor foi sempre hostilizado dentro da Universidade de Coimbra pelos sectores monárquicos e ex-integralistas (e ainda mais quando lutou pelos Hospitais Civis…). No meio de tudo isto este membro da Comissão Central da União Nacional (cujos arquivos o autor se queixa de nunca terem sido tratados pelo ANTT) entre a criação desta e 1969 nunca terá tido sequer ficha de inscrição na agremiação.

Em que pontos é que, segundo o livro evidencia, se verifica a existência de sintonia política entre Bissaia Barreto e o regime? Documentados estão o apreço pela garantia de estabilidade política, na versão de “Salazar – homem providencial”, a crença na possibilidade de conciliação entre o corporativismo de Manoilescu e o programa social dos republicanos evolucionistas, e o anti-comunismo.

Mas há nuances, geridas numa base pessoal: Bissaia Barreto pronuncia-se contra Hitler e, segundo Jorge Pais de Sousa com o conhecimento de Salazar, estabelece contactos políticos com os americanos e os ingleses (o livro contém uma foto de uma visita, em 1940, de funcionários diplomáticos britânicos – incluindo o chefe do Intelligence Service em Portugal – ao Sanatório dos Covões), ingleses que, como se sabe, teriam também algumas esperanças no antigo embaixador em Londres Armindo Monteiro; mantém uma amizade pessoal com Henrique Galvão, que aliás colabora num filme de propaganda sobre a Obra de Assistência na Beira Litoral, e disse-se que terá facilitado a evasão de Galvão do hospital onde estava internado sob prisão; dá a mão ao médico comunista Otílio de Figueiredo, que tinha sido seu aluno, incentivando-o a abrir uma clínica em Vila Real onde vai ele próprio realizar cirurgias, e mais tarde ao seu filho Eurico de Figueiredo, dirigente estudantil e então também militante comunista.

Um leitor do post que serviu de base a este artigo publicou, em resposta, o seu próprio testemunho de como, após a sua participação na “crise” de 1969, foi aconselhado a recorrer a Bissaia Barreto, que não conhecia, como forma de ultrapassar uma informação política negativa que lhe impedia o acesso a um modestíssimo e precário emprego público, e de como é que essa iniciativa foi bem acolhida pelo intransigente de 1907 e de imediato deu frutos.

Após a II Guerra Mundial envolveu-se também, a título pessoal, em iniciativas empresariais, como a criação dos Estaleiros Navais da Figueira da Foz, aliás outros estaleiros foram criados na altura por personalidades com boas ligações no regime. Contudo, não na mira de maior afluência pessoal ou familiar. “Celibatário”, como refere o autor, os seus bens vieram a reverter, quando faleceu, para a Fundação Bissaya Barreto, por si instituída em 1958.

Julgo que se pode dizer a tese de mestrado de Jorge Pais de Sousa dá também algumas pistas sobre a intervenção pessoal de Salazar no seu território político de origem.

Governador Civil José Horário de Moura

Esta intervenção não se desenvolve apenas através de Bissaia Barreto. Jorge Pais de Sousa que aliás não se debruça em  pormenor sobre a década de 1960 e sobre os anos do “Marcelismo” salvo para referir o carácter essencialmente memorialístico da produção do biografado, poderia também referir que nestes anos ao lado do Presidente praticamente vitalício da Junta Distrital de Coimbra esteve sempre como Governador Civil José Horário de Moura, que o ajudou a erguer e a administrar a Fundação.

Doutorado em Engenharia Civil na Suíça, activista católico, fundador da associação de patrões católicos UCIDT (hoje ACEGE) assentou a sua acção na realização de reuniões regulares a nível de distrito e de concelho, e, disse-o Bissaia Barreto:

“Pela primeira vez se estabeleceu a técnica de o Governador Civil ir contactar pessoalmente com as Câmaras Municipais, com as Juntas de Freguesia, com os habitantes dos mais longínquos lugarejos”[ix]

Nascido em 1908, era de uma geração com que Salazar nem sempre tinha tido ocasião de se relacionar pessoalmente, mas que o tinha lido, tinha adoptado as suas ideias, e a quem podia escrever cartas pessoais. No plano social o Chefe não apresentava ele próprio grandes programas, mas, onde aparecia gente que queria fazer, em regra deixava. É difícil termos hoje uma ideia de como tudo isto funcionava.

NOTAS

[i] Jorge Pais de Sousa faleceu em 2019 aos 59 anos. Conto tratar a publicação que fez da sua tese de doutoramento, com o título O Fascismo Catedrático de Salazar, em outro artigo.  

[ii] Nos anos 1930, em fontes que consultei, escrevia-se “Bissaia” e “Marcelo”- Mantenho essa forma.

[iii] Procuro ainda referência que documente esta menção.

[iv] Jorge Pais de Sousa transcreve, de um texto do biografado publicado em 1961:

“Tomei parte activa na greve de 1907, movimento explosivo de reacção contra a senilidade do ensino universitário, fortemente castigado nas orações de sapiência dos professores Sobral Cid, Sidónio Pais e Bernardino Machado. Respeitei durante a greve todos os compromissos tomados, mantive uma atitude de perfeita coerência”.

[v] Mira Fernandes, mais tarde professor do Instituto Superior Técnico e do Instituto Superior do Comércio / Instituto Superior de Ciências Económicas Financeiras. Num artigo de Augusto José Fitas sobre este professor fala-se de 107 intransigentes. Foi também deputado à Assembleia Constituinte em 1911. Não existem, que eu saiba, referências a intervenção política posterior. Terá, ao que ouvi dizer a um seu então assistente, recusado a assinatura a um abaixo-assinado que no pós II Guerra Mundial pedia eleições livres dizendo “Eu não me rebaixo a pedir aquilo a que tenho direito”.

[vi] O autor aliás vê na crise de 1907 um padrão das que em épocas futuras viriam a abalar a Universidade de Coimbra.

[vii] Num texto que encontrei na Internet afirma-se que terá sido médico da mãe de Salazar, mas tal não é referido por Jorge Pais de Sousa.

[viii] Localizei na Internet um trabalho de Alcina Martins e Maria Rosa Tomé “Bissaya Barreto e a Política Assistencial da Junta da Província da Beira Litoral” com a menção CPIHTS – Centro Português de Investigação em História Económica e Social, que remete expressamente para a tese de mestrado de Jorge Pais de Sousa (1999) e fornece descrições detalhadas da parcimónia dos meios com que a Junta geria os estabelecimentos por si criados, com uma supervisão pessoal muito estreita do seu Presidente.

[ix] Governo Civil de Coimbra, Um ano de trabalho em comum pelo bem comum, Coimbra, 1961.

Publicado no Jornal Tornado de 25 de Setembro de 2020

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A orientação política e a escrita do historiador

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A permanência ou re-emergência no presente de debates políticos – ideológicos que marcaram o século XX, coloca por vezes os autores de trabalhos sobre aquele século perante a conveniência (ou não) de explicitar a orientação política subjacente à sua abordagem.

O investigador em ciências sociais, seja em história contemporânea seja em outro objecto de pesquisa, certamente não está livre de ideias – se estivesse pergunta-se que trabalho científico poderia realizar essa cabeça vazia – e tem consciência de que estas vão à partida influenciar o próprio modelo de análise que vier a construir.

Há certamente cânones académicos para a realização e apresentação de resultados de investigação e, para algumas publicações, procedimentos de peer review.

No entanto, da forma como o investigador apresenta os seus resultados designadamente em livro, depende a sua legibilidade, o favor do público leitor (no qual, sem peer review formal, se incluirão muitos dos seus colegas de profissão) e até as possibilidades futuras de financiamento do trabalho do investigador ou o prosseguimento da sua carreira [i].

Haverá então expectativas a gerir, e o investigador tem de ser um bom escritor para concitar e manter, durante a leitura, interesse pela obra, sem perder de vista que há reacções primárias que se torna difícil evitar.

Por exemplo não falta quem julgue das preferências ideológicas dos autores de obras sobre história contemporânea, pelo tema que escolhem tratar.


Filipe Ribeiro de Meneses e Salazar

Assim, Salazar – uma biografia política, de Filipe Ribeiro de Meneses (Dom Quixote, 2010) foi encarado, por quem não o leu (nem o queria ler…) como indício das supostas inclinações salazaristas do autor[ii].

Todavia, a obra, escrita em inglês por “um estrangeirado” residente na Irlanda para um público de língua inglesa, não exalta propriamente os valores anti-democráticos do regime, nem o público para o qual escreve o admitiria.

O livro, que se lê bem, considera logo no início haver “algum exagero” na afirmação de Salazar de que tinha “nascido pobre” e permite-se brincar um pouco com o apelido do filho de António de Oliveira e de Maria do Resgate Salazar:

O seu apelido não seguiu o padrão habitual de ter o sobrenome paterno no fim. Este incidente levou a que, no futuro, viesse a ser conhecido pelo menos usual e mais sonoro apelido materno, de origem espanhola. O nome mais comum de Oliveira porventura não se teria coadunado tão bem com os seus objectivos políticos; é decerto difícil imaginar as fileiras de uma milícia armada a responderem em uníssono à pergunta sobre “quem comanda?”[iii] com um “Oliveira, Oliveira, Oliveira”. Talvez esta seja apenas uma partida pregada por um olhar retrospectivo e seja, como for, Salazar não se preocupou muito com a sua milícia (Capítulo I).

Há várias observações críticas de outros investigadores à factualidade retida por Filipe Ribeiro de Meneses e permito-me pela minha parte formular uma logo em relação ao primeiro parágrafo da obra:

Em 1928, aos trinta e nove anos de idade, tornou-se o “ditador das finanças” do país, assumindo o Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço; quatro anos depois, mudou-se para o Palácio de São Bento, ao ser nomeado presidente do Conselho de Ministros, cargo que havia de ocupar durante os 36 anos seguintes.

Por um lado, Salazar sucedeu ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, sendo que “Presidente do Conselho de Ministros” seria já uma construção política da Constituição de 1933, colocada a plebiscito no ano seguinte.

Por outro, a Presidência do Ministério estava então instalada no Terreiro do Paço, sendo que, ao que conta Marcelo Caetano em Minhas Memórias de Salazar[iv], este, quando sucedeu em 1932 ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, nunca foi sequer ao correspondente gabinete, e, depois da entrada em vigor, em 1933, da Constituição e da sua nomeação como Presidente do Conselho de Ministros, manteve o gabinete que utilizava como Ministro das Finanças e afectou o antigo gabinete do Presidente do Ministério ao Subsecretário de Estado das Finanças então nomeado, João Pinto da Costa Leite (Lumbrales).

A residência oficial do Presidente do Conselho de Ministros foi instalada num palacete adjacente ao Palácio de São Bento, então denominado Palácio da Assembleia Nacional, expropriado para o efeito e Salazar começou a utilizá-la logo em 1938. A instalação do Presidente do Executivo e de outros órgãos junto à sede do Legislativo nunca poderia ter tido lugar na República parlamentar ou mesmo numa Ditadura Militar ainda hesitante sobre a configuração do novo poder. Repare-se aliás que do ponto de vista físico e até administrativo, Salazar também construiu o espaço que foi ocupar.

No plano do apoio administrativo, Salazar atribuiu, ainda corria o ano de 1933, à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças o apoio à Presidência do Conselho de Ministros “enquanto a Presidência do Conselho estiver confiada ao Ministro das Finanças”, só em 1938, perante o reconhecimento de que esta Secretaria-Geral não podia “sobretudo depois da instalação da Presidência do Conselho no Palácio de S. Bento“ assegurar satisfatoriamente estas funções se decidindo a criar uma Secretaria da Presidência do Conselho, extinguindo a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, cujas funções próprias ficaram a ser asseguradas por serviços da Direcção-Geral da Fazenda Pública considerando-se o respectivo Director-Geral investido por inerência das funções de Secretário-Geral.

É muito curioso que Filipe Ribeiro de Meneses tenha caído na armadilha de descrever o passado à semelhança de um futuro que ainda não existia, mas isto não mostra propriamente um viés ideológico.

Assim, Salazar – uma biografia política, de Filipe Ribeiro de Meneses (Dom Quixote, 2010) foi encarado, por quem não o leu (nem o queria ler…) como indício das supostas inclinações salazaristas do autor [ii].

Todavia, a obra, escrita em inglês por “um estrangeirado” residente na Irlanda para um público de língua inglesa, não exalta propriamente os valores anti-democráticos do regime, nem o público para o qual escreve o admitiria.

O livro, que se lê bem, considera logo no início haver “algum exagero” na afirmação de Salazar de que tinha “nascido pobre” e permite-se brincar um pouco com o apelido do filho de António de Oliveira e de Maria do Resgate Salazar:

O seu apelido não seguiu o padrão habitual de ter o sobrenome paterno no fim. Este incidente levou a que, no futuro, viesse a ser conhecido pelo menos usual e mais sonoro apelido materno, de origem espanhola. O nome mais comum de Oliveira porventura não se teria coadunado tão bem com os seus objectivos políticos; é decerto difícil imaginar as fileiras de uma milícia armada a responderem em uníssono à pergunta sobre “quem comanda?”[iii] com um “Oliveira, Oliveira, Oliveira”. Talvez esta seja apenas uma partida pregada por um olhar retrospectivo e seja, como for, Salazar não se preocupou muito com a sua milícia (Capítulo I).

Há várias observações críticas de outros investigadores à factualidade retida por Filipe Ribeiro de Meneses e permito-me pela minha parte formular uma logo em relação ao primeiro parágrafo da obra:

Em 1928, aos trinta e nove anos de idade, tornou-se o “ditador das finanças” do país, assumindo o Ministério das Finanças, no Terreiro do Paço; quatro anos depois, mudou-se para o Palácio de São Bento, ao ser nomeado presidente do Conselho de Ministros, cargo que havia de ocupar durante os 36 anos seguintes.

Por um lado, Salazar sucedeu ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, sendo que “Presidente do Conselho de Ministros” seria já uma construção política da Constituição de 1933, colocada a plebiscito no ano seguinte.

Por outro, a Presidência do Ministério estava então instalada no Terreiro do Paço, sendo que, ao que conta Marcelo Caetano em Minhas Memórias de Salazar[iv], este, quando sucedeu em 1932 ao General Domingos de Oliveira como “Presidente do Ministério”, nunca foi sequer ao correspondente gabinete, e, depois da entrada em vigor, em 1933, da Constituição e da sua nomeação como Presidente do Conselho de Ministros, manteve o gabinete que utilizava como Ministro das Finanças e afectou o antigo gabinete do Presidente do Ministério ao Subsecretário de Estado das Finanças então nomeado, João Pinto da Costa Leite (Lumbrales).
A residência oficial do Presidente do Conselho de Ministros foi instalada num palacete adjacente ao Palácio de São Bento, então denominado Palácio da Assembleia Nacional, expropriado para o efeito e Salazar começou a utilizá-la logo em 1938. A instalação do Presidente do Executivo e de outros órgãos junto à sede do Legislativo nunca poderia ter tido lugar na República parlamentar ou mesmo numa Ditadura Militar ainda hesitante sobre a configuração do novo poder. Repare-se aliás que do ponto de vista físico e até administrativo, Salazar também construiu o espaço que foi ocupar.

No plano do apoio administrativo, Salazar atribuiu, ainda corria o ano de 1933, à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças o apoio à Presidência do Conselho de Ministros “enquanto a Presidência do Conselho estiver confiada ao Ministro das Finanças”, só em 1938, perante o reconhecimento de que esta Secretaria-Geral não podia “sobretudo depois da instalação da Presidência do Conselho no Palácio de S. Bento“ assegurar satisfatoriamente estas funções se decidindo a criar uma Secretaria da Presidência do Conselho, extinguindo a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, cujas funções próprias ficaram a ser asseguradas por serviços da Direcção-Geral da Fazenda Pública considerando-se o respectivo Director-Geral investido por inerência das funções de Secretário-Geral.

É muito curioso que Filipe Ribeiro de Meneses tenha caído na armadilha de descrever o passado à semelhança de um futuro que ainda não existia, mas isto não mostra propriamente um viés ideológico.

José Manuel Tavares Castilho e Marcelo Caetano

José Manuel Tavares Castilho que publicou um bem construído e documentado Marcello Caetano – uma biografia política (Almedina, 2012), também de fácil e agradável leitura, onde deixa claro não se identificar politicamente com o biografado, apresentou na sua tese de doutoramento realizada no ISCTE um curriculum vitae, cuja junção era então obrigatória, em que apenas regista actividades com interesse académico, mostrando que começou a conquistar graus académicos – licenciatura, mestrado, doutoramento já muito tarde, mas nada revelando sobre outros aspectos da vida profissional e pessoal.

Todavia regista a participação num debate local por altura das primeiras eleições do “marcelismo” em 1969 e as críticas (correctas) que faz na tese à manipulação, também nessa altura, do recenseamento eleitoral, quando sem isso Marcelo poderia ter ganho de forma indiscutível as eleições faz-me interrogar sobre se na ausência de outro tipo de condições políticas se poderia considerar que existia democracia e se houve qualquer episódio que nessa altura tivesse sensibilizado especialmente o autor para esse ponto.

Já tive ocasião contudo de corroborar que o prefaciador [v] desta biografia política tinha alguma razão ao afirmar que o não considerar na biografia outras vertentes da actividade de Marcello Caetano prejudicava o trabalho. Darei um exemplo:

A desvalorização do Congresso e da integração de Marcelo Caetano no Bureau do Instituto Internacional como Vice-Presidente só se explicam em Franco Nogueira pela aversão a Marcelo Caetano que perpassa em todo o seu Salazar, uma vez que na altura o Estado português procurava acompanhar o esforço de recomposição das organizações internacionais. Mas o seu próprio “biógrafo político” José Manuel Tavares Castilho afirma que, depois de chefiar a delegação portuguesa à Conferência Internacional do Trabalho “participaria, agora na sua qualidade de professor universitário, no Congresso Internacional de Ciências Administrativas, em Berna.

No entanto, Marcelo Caetano é muito claro ao escrever em 7 de Agosto ao Director-Geral dos Negócios Políticos: “Para os devidos efeitos comunico a V.Exa, que, de regresso da Suíça, cheguei a Lisboa no dia 5 do corrente, concluindo assim as duas missões de que fui encarregado por esse Ministério”. Na comunicação, que pode ser encontrada no AHD refere que na primeira missão (OIT, Genebra) era chefe de delegação e que na segunda (IICA, Berna) a delegação “compreendia também os snrs. Prof. Dr. José Carlos Moreira e dr. António Pedrosa Pires de Lima e, consoante declaração destes delegados ao snr. Ministro de Portugal em Berna, não tinha chefe.” Conforme explica, aguardou na Suiça de 11 a 22 de Julho o início da segunda missão [vi]


J. Bowyer Bell e o Exército Republicano Irlandês

IRA – o Exército Secreto publicado em 1974 pela Editorial Inova (o título original, na edição publicada em New York, incorpora, como é usual em trabalhos académicos de História, a indicação do período estudado: The Secret Army The IRA 1916 – 1970).

Este autor norte-americano (1931-2003) que posteriormente ao resultado desta “aventura académica”, acabou por publicar diversos outros trabalhos sobre a Irlanda, a ponto de ser considerado um especialista em terrorismo, não é certamente um apologista da luta armada pela reunificação da Irlanda[vii], mas parece ter captado a dinâmica das sucessivas reconstituições das organizações republicanas, das quais foram saindo sucessivamente partidos com vocação de poder, que ainda hoje dominam a vida política dos trinta e dois condados.

Ciente da escassez de fontes documentais, sujeitas a destruições periódicas aquando das mudanças políticas, baseou muito do seu trabalho em entrevistas e conseguiu mesmo uma reunião inicial com o Conselho Directivo do IRA.

Nada me teria sido possível fazer sem a tolerância, e por vezes o encorajamento, do anónimo Conselho Directivo. Em resultado desse encontro no salão do primeiro andar do Hotel Russell, passei mais tempo a tratar do IRA que muitos bons voluntários passaram nele.

O livro termina por alturas de 1969, numa situação de cisão entre Oficiais e Provisórios e com o aparecimento dos movimento dos direitos civis no Ulster. Seguiram-se muitos anos de confrontos até ao chamado Acordo de Sexta-Feira Santa. Posso dizer em favor desta obra que me foi sempre, desde que o li pela primeira vez, um bom auxiliar na interpretação dos acontecimentos posteriores.


Riccardo Marchi e os verdadeiros fascistas

Império, Nação, Revolução – As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974), Texto, 2009, procura reunir dados relativos à actividade da extrema-direita no período posterior à II Guerra Mundial em que esta perde algumas figuras emblemáticas dos anos 1930 que durante a ocupação da França pela Alemanha haviam colaborado com os ocupantes, passando a ter o estatuto de “mártires” e que se vai fundindo e cindindo em organizações grupusculares, por vezes com pretensões de representatividade pan-europeia.

Riccardo Marchi vai mapeando as organizações portuguesas e as suas ligações externas, a sua fidelidade a uma certa imagem de Salazar e as suas distâncias em relação ao regime, que em alguns casos são meramente verbais uma vez que vão vivendo de fundos públicos, veiculados sobretudo através dos serviços da PIDE e da Legião, jogo que se torna mais difícil, quando, passando Marcelo Caetano a Presidente do Conselho, pretendem começar a criticá-lo abertamente. O autor expõe sem ambiguidades estas situações e o contributo de alguns dos membros destas organizações para a formação de comissões administrativas de associações de estudantes cujas eleições não são homologadas.

Poderá ser má leitura minha mas estas ligações, que são claramente expostas e tendencialmente desprestigiantes em Lisboa, não parecem tão claras em Coimbra e Porto, sobretudo a partir de momento em que com algum apoio governamental, se constituiu em ambas as cidades a Cooperativa Cidadela, em cujos corpos gerentes, de que os nomes são integralmente transcritos, se incluem alguns próceres da política futura. E, apesar da referenciação de documentação inconcludente, não se percebe a relação entre estes “nacionais – revolucionários” e uma misteriosa ANSA que assinava comunicados em Coimbra.

Riccardo Marchi regista a consulta de “arquivos particulares e a realização de entrevistas com antigos dirigentes desta área o que realmente permite integrar várias fontes. Julgo que no caso de Coimbra importaria pedir também pistas ao “outro lado”.

Numa coisa tem razão, após o 25 de Abril a extrema-direita soube reagir mais rapidamente.

Como o autor nasceu em Itália em 1974, não lhe apontem culpas no cartório. Mas essa época, que tendeu a ser esquecida, vem bem explicada em Quando Portugal Ardeu, de Miguel Carvalho.

NOTAS

[i] Recordo-me de, nos primeiros regulamentos de avaliação de desempenho aplicáveis à carreira docente universitária após a revisão do ECDU em 2009 e 2010, de o ISCTE-IUL ter admitido que, na área de História, a publicação de livros (e não apenas a de artigos científicos) tivesse relevância, e de a Universidade da Madeira ter atribuído maior ponderação à publicação de livros com tiragem mais elevada.

[ii] Foi igualmente tida como indicação do carácter neo-salazarista e liberal da política de Pedro Passos Coelho a circunstância de o Chefe do Gabinete deste ser irmão do biógrafo de Salazar!

[iii] Julgo que a pergunta aos legionários era “quem manda?” e não “quem comanda?”. Talvez se trate uma consequência de o autor escrever em inglês mas não ter sido ele a traduzir para português.

[iv] 1997, pp 58-59.

[v] Marcelo Rebelo de Sousa.

[vi] Do meu livro de 2019, As Secções Nacionais Portuguesas do Instituto Internacional de Ciências Administrativas (1908-2012)

[vii] Veja-se em todo o caso o obituário publicado pelo Independent, J. Bowyer Bell https://www.independent.co.uk/news/obituaries/j-bowyer-bell-37174.html

Publicado no Jornal Tornado em 9 de Setembro de 2020

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Os estados de emergência, que cessaram a sua vigência, e o condicionamento dos espíritos, que se mantém

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Decretos do estado de emergência

A peculiar coabitação à portuguesa entre um professor de Direito, como Presidente da República, e um seu antigo aluno, como Primeiro-Ministro, resolveu a magna questão de ser ou não preciso uma revisão constitucional para fazer face à COVID – 19, começando-se por se suspender parcialmente às garantias constitucionais, através de três estados de emergência sucessivos, que, no nosso sábio sistema, comportam um decreto do Presidente da República, uma resolução de aprovação parlamentar e um decreto governamental de execução. Seguiram-se três “estados”, segundo o “constitucionalismo jornalístico” que na Lei de Bases da Protecção Civil são apenas “situações” e cujas denominações não estou certo de ter conseguido fixar. A constitucionalidade de algumas das medidas aplicadas com base na declaração destas “situações” talvez mereça ser questionada mas por enquanto continuamos a ser um país de brandos costumes.

Na redacção dos Decretos do Presidente e na sua concretização pelos Decretos do Governo lá se foi deixando alguma sugestão de “proporcionalidade” para ter igualmente em conta o quadro constitucional.

Estive particularmente atento às restrições aos direitos laborais, designadamente de acção colectiva. Mostram no fundo quem é que os poderes públicos consideram como inimigos.

O direito à greve, cela va de soi num país em que a requisição civil é um instrumento frequente de governação.

Fica suspenso o exercício do direito à greve na medida em que possa comprometer o funcionamento de infraestruturas críticas, de unidades de prestação de cuidados de saúde e de serviços públicos essenciais, bem como em setores económicos vitais para a produção, abastecimento e fornecimento de bens e serviços essenciais à população

O direito de participação na elaboração de legislação do trabalho, apareceu apenas no segundo estado de emergência e não foi reeditado no terceiro. A comunicação social anunciou-o como apenas dirigido aos “sindicatos”, os patrões estão sempre nas antecâmaras. Um agravo inútil, quando se poderia ter pura e simplesmente fixado um regime simplificado, hoje em dia é fácil fazer circular documentos através da Internet, e aliás não terá impedido o diálogo com as confederações.

Fica suspenso o direito das comissões de trabalhadores, associações sindicais e associações de empregadores de participação na elaboração da legislação do trabalho,na medida em que o exercício de tal direito possa representar demora na entrada em vigor de medidas legislativas urgentes para os efeitos previstos neste Decreto

E, enfim, um mecanismo de requisição civil ampliadíssimo, que me pareceu ser essencialmente dirigido a impedir a fuga em massa do pessoal hospitalar caso se chegasse a uma situação tipo Itália ou Espanha. Terá sido esta a cobertura, que deixou de existir após a não-renovação do estado de emergência, para colocar o pessoal dos centros de saúde a acompanhar os doentes dos lares, sem encargos para os respectivos titulares, e com grande satisfação dos senhores padres da CNIS e da UMP. Enfim, também tinham razão de se queixar porque os médicos e enfermeiros que lá “faziam umas horas” em princípio viram as suas autorizações de exercício de funções acumuladas suspensas.

Pode ser determinado pelas autoridades públicas competentes que quaisquer colaboradores de entidades públicas, privadas ou do setor social, independentemente do tipo de vínculo, se apresentem ao serviço e, se necessário, passem a desempenhar funções em local diverso, em entidade diversa e em condições e horários de trabalho diversos dos que correspondem ao vínculo existente, designadamente no caso de trabalhadores dos setores da saúde, proteção civil, segurança e defesa e ainda de outras atividades necessárias ao tratamento de doentes, ao apoio a populações vulneráveis, pessoas idosas, pessoas com deficiência,crianças e jovens em risco, em estruturas residenciais, apoio domiciliário ou de rua, à prevenção e combate à propagação da epidemia, à produção, distribuição e abastecimento de bens e serviços essenciais, ao funcionamento de setores vitais da economia, à operacionalidade de redes e infraestruturas críticas e à manutenção da ordem pública e do Estado de Direito democrático, podendo ser limitada a possibilidade de cessação das respetivas relações laborais ou de cumulação de funções entre o setor público e o setor privado.”

A requisição de instalações e equipamentos de entidades privadas, também autorizada pelos Decretos do Estado de Emergência, não terá sido accionada.

Direito de reunião e manifestação

Em matéria de acção colectiva, foram também impostos condicionamentos ao direito de reunião e manifestação

“Direito de reunião e de manifestação: podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes,com base na posição da Autoridade de Saúde Nacional, as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, incluindo a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo coronavírus”.

Houve desde logo uma reacção, politicamente motivada, à celebração do 25 de Abril na Assembleia da República, mas foi a realização de comemorações do Primeiro de Maio, apesar de expressamente ressalvada no terceiro Decreto do Estado de Emergência, que suscitou controvérsia, quanto a mim injustificada.

É público que há muitas dezenas de anos que não participo em manifestações do 1º de Maio da CGTP, uma vez que me desvinculei de dois sindicatos em que estive inscrito e que estavam, um filiado, o outro próximo daquela confederação. Entretanto, julgo que do ponto de vista simbólico pelo menos, a escolha dos dirigentes se vem degradando: a Manuel Carvalho da Silva, de origem metalúrgico numa empresa privada, à qual se manteve vinculado, sucedeu Arménio Carlos, electricista numa empresa pública, e actualmente uma funcionária sindical de profissão, originária do sindicato de comércio e serviços da CGTP, no qual está filiada enquanto funcionária de outro sindicato da CGTP – o STAL. Parecer-me-ia mais adequado, para uma confederação reunindo trabalhadores cuja maioria têm  patrões privados, que o seu dirigente máximo conhecesse o tipo de ambiente laboral que conhece a generalidade dos trabalhadores cujos sindicatos estão filiados na confederação. Isto sem demérito da actual titular do cargo de secretário-geral, que não conheço sequer.

No entanto, pareceu-me muito feliz a demonstração da capacidade de, disciplinadamente, ocupar o terreno definido e, com máscara e cumprimento das distâncias sociais estabelecidas, em Lisboa e no Porto (não vi imagens de outros pontos do país) sem nenhuma lesão para a saúde pública. Marcelo Rebelo de Sousa acusou o toque, deixou cair que não era isso que tinha em mente … e encorajou a maledicência. Mas não se ouviu falar de nenhum foco com origem no primeiro de Maio.

Seguiram-se outras experiências, com carácter político ou político-partidário, uma das quais um comício do PCP em Lisboa, na rua, a um sábado, e no dia seguinte um conjunto de manifestações anti-racistas em várias cidades, uma das quais em Coimbra, com os participantes com máscara e exemplarmente escalonados numa praça.

Seria um bom exemplo para fazer a pedagogia de como actuar em desconfinamento, com precaução, mas com  controlo dos medos.

A UGT manteve-se confinada no Primeiro de Maio.

Na altura, Catarina Martins desaconselhou também a participação em acções exteriores. Não percebi as razões, admiti que pudesse ter havido uma sensibilidade pessoal, e não associei a tomada de posição à vontade de mostrar uma postura responsável / ministeriável

Passei os olhos no blogue Esquerda. Net por um depoimento de um elemento de uma estrutura representativa de trabalhadores, membro do BE, que esteve na acção do Porto, explicou como foi decidida na CGTP e a justificou. Mostrou-se sentido, com razão, por Jerónimo de Sousa se ter mostrado na manifestação de Lisboa, e, quanto a mim, sem razão, por ter circulado que o BE não apoiaria a acção. As palavras de Catarina possivelmente não lhe chegaram. Esta também não aparecia muito em “reportagens do exterior”.

Mas quando Catarina Martins, já desconfinada, apareceu entusiasticamente no fim da manifestação anti-racista de Lisboa, que não deu a ideia de ter sido organizada com tanto cuidado como a de Coimbra, passei a interrogar-me.

Festa do Avante !

A questão da realização da Festa do Avante não se pode colocar, penso, nos mesmos termos. Tem a projecção que tradicionalmente tem por não se destinar apenas a militantes e simpatizantes e por atrair parte do público que também vai usualmente aos festivais de Verão e que não será necessariamente disciplinado .

Valorizo a postura do PCP de desde o início anunciar que – caso fizesse a festa este ano, e colocou a hipótese de não a fazer – se subordinaria às orientações da Direcção-Geral de Saúde, e percebo a dificuldade desta em transpor as regras que foi definindo para outros eventos. Tratar o conjunto do recinto como uma praia pode ser excessivo, mas entende-se.

Num ambiente marcado pelo receio da crise COVID – 19 tenho aliás a ideia de que mesmo a lotação autorizada para a Festa – de que não sou habitué e à qual de qualquer modo não iria este ano, como não tenho ido nos anos mais recentes – não será preenchida com facilidade e que a questão sobre o excesso de participantes é um tanto ociosa.

Não posso deixar de me interrogar se o PCP não teria mais vantagem, ao menos neste ano, em  fazer naquele espaço algumas realizações temporalmente escalonadas durante o Verão com uma Festa reduzida no fim. Gastar tanto em terrenos para três dias anuais de festa parece-me um mau investimento. Mas em rigor não tenho nada com isso.

Nas críticas “locais” uma ideia avulta:  “Há perigo. Vêm pessoas de fora“. E há pouco num comentário on line: “O problema está nos autocarros. Os autocarros que vêm dos centros de trabalho do PCP de todo o país”.

Curiosamente na freguesia da Amora, posso testemunhá-lo, já não há grande cuidado em termos de distanciamento físico  com o pessoal que se conhece. E não é entre gente que vá à Festa.

Os ataques públicos, abaixo assinados, ameaças de manifestação, marchas automóveis, e notícias falsas sobre repercussões no estrangeiro têm vindo em crescendo, inclusive com invocação de desigualdade por parte de partidos que batem no peito e se auto-elogiam por não reeditarem este ano suas iniciativas .

E de Marcelo Rebelo de Sousa, que se fez fotografar na Festa no ano anterior à sua candidatura à Presidência.

A 27 de Agosto li no Jornal Económico que mais alguém se tinha juntado ao concerto:

Falando aos jornalistas, esta quinta-feira, na Guarda, Catarina Martins afirmou: “Espero que o PCP e a DGS façam tudo o que seja necessário fazer para preservar a saúde de todos os participantes”, 

Houve quem no Facebook, com muita experiência desta gente,  comentasse logo

Estas declarações da Catarina Martins são mais do que desnecessárias. Onde não são sonsas são sectárias. E de caminho fazem o jogo das críticas demagógicas à DGS.”.

Sonsa, parece-me um termo adequado. Mas tenho vontade de usar um mais forte.

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Saudades do Plano de Fomento

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Uma vez que os Governos de Passos Coelho e de António Costa tiveram tantas saudades do Banco de Fomento, privatizado a favor do BPI e nele integrado, que já o recriaram, ambos, e que António Costa até lançou agora um Plano António Costa (Silva)…… seja-me permitido manifestar as minhas saudades do Plano de Fomento, lançado por António de Oliveira Salazar em 1953 , Plano de Fomento que de certo modo é o pai de Planos como o que agora se anuncia.

O avô, diz a investigação de paternidade, foi o plano quinquenal soviético, o que o regime teve o cuidado de não admitir. Escreveu aliás Carlos Corrêa Gago, que era em 1974 o director-geral do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho de Ministros:

Foi neste berço de contradições que nasceu o planeamento económico em Portugal. Com planos hexenais, para não serem quinquenais; com acções sobre a produtividade importadas de França (Commissariat Général au Plan et à la Productivité) porque se não queriam suspeitas de stakhanovismo: com um órgão central técnico para apoiar a concepção e execução da política económica do governo, este porém benevolamente vigiado por uma Câmara Corporativa que o decisor final, a Assembleia Nacional, tinha de ouvir. Ficavam assim marcadas as convenientes distâncias relativas ao Gosplan. [i]

O I Plano de Fomento (1953-58) foi ainda basicamente uma listagem de investimentos, à semelhança da anterior Lei de Reconstituição Económica (1935-1950), assim chamada para marcar o sucesso da Reconstituição Financeira decretada em 1928 como enquadramento das primeiras medidas de Salazar enquanto Ministro das Finanças. O II Plano de Fomento (1959-1964) teve já um enquadramento macro-económico tendo Marcelo Caetano que coordenou a sua elaboração enquanto Ministro da Presidência, reivindicado à autoria dos progressos registados [ii].

O Plano Intercalar de Fomento (1965-1967) foi elaborado numa altura em que a evolução do processo de integração europeia não era clara e tanto as exportações como o investimento foram afectados por uma conjuntura recessiva. O III Plano de Fomento (1968-1973) que beneficiou largamente dos contributos de uma estrutura participativa – os Grupos de Trabalho da Comissão Interministerial de Planeamento e Integração Económica – integrou já perspectivas de Reforma Administrativa. O IV Plano de Fomento (1974-1979) iria ser concretizado com o apoio de um regime de programas autónomos de investimento dotados de personalidade jurídica e de autonomia financeira e que seriam dispensados de visto do Tribunal de Contas, que seria substituído por pareceres vinculativos de delegados deste junto das respectivas administrações [iii].

Os Planos de Fomento vinham registando um grau cada vez maior de aperfeiçoamento técnico e do ponto de vista de conteúdo abrangiam orientações em que se podiam rever total ou parcialmente correntes progressistas, aliás uma grande parte dos participantes envolvidos nos trabalhos de planeamento estavam ligados a sectores liberais, designadamente aos que se organizaram na SEDES, ou até a sectores oposicionistas. Técnicos ligados ao planeamento como Carlos Corrêa Gago, Vítor Constâncio e João Cravinho viriam a ocupar na nova situação cargos politicos relevantes. Não é de estranhar neste contexto que no Decreto-Lei em que definiu o Programa do Governo Provisório [iv] a Junta de Salvação Nacional tenha determinado a manutenção em vigor do IV Plano de Fomento e a sua revisão.

O mais próximo contudo que o Governo Provisório – nessa altura já o III Governo – se aproximou de cumprir essa incumbência foi a elaboração e aprovação do Programa de Política Económica e Social, que ficou conhecido por Plano Melo Antunes e foi publicado com a seguinte menção:

O presente Programa de Política Económica e Social, obra colectiva do Governo Provisório, após apreciação pelo Movimento das Forças Armadas, foi aprovado em Conselho de Ministros na sua sessão no dia 7 de Fevereiro de 1975 [v].

A partir daí a revisão formal do IV Plano teria sido fácil e os vários governos que se sucederam teriam ficado sujeitos a algum grau de disciplina, assente na consensualização deste instrumento, que haveria de cumprir ou alterar [vi]. Pode-se dizer evidentemente que o Conselho da Revolução que sucedeu à Junta de Salvação Nacional modificou os dados do problema ao adoptar a perspectiva socialista, que a esquerda olhava para o IV Plano de Fomento como ultrapassado e que a direita passou a recusar qualquer forma de Plano e a aborrecer a simples menção dessa palavra.

Estive ligado profissionalmente à orgânica de planeamento durante uma década da minha actividade profissional, entre 1976 e 1986, e ficaram-me na memória muitos aspectos que vão do anedótico ao trágico: a directora-geral que alterou a redacção do objectivo proposto pelo Ministério sectorial “eliminar no prazo de n anos as zonas do país ainda não electrificadas” substituindo “eliminar” por “iluminar”; a inglória liquidação do esforço da Secretária de Estado do Planeamento, Manuela Silva, para apresentar um Plano de Médio Prazo 1977/80, assente num conjunto de relatórios elaborados com recurso a participação externa e amplamente divulgados; a falta de vontade de discutir os programas apresentados pelos Ministérios sectoriais com destaque para a posição assumida por um Ministro das Finanças e do Plano que mandou o Secretário de Estado aumentar pura e simplesmente em 20 % os plafonds do ano anterior; a inscrição num determinado ano no Plano de verbas que não constavam do Orçamento do Estado e por isso não poderiam ser gastas. Ficou-me dessa experiência uma grande falta de apetência para ler os documentos que de vez em quando são publicados com “plano” no nome.

Com a revisão constitucional de 1989 ficou prejudicada em grande parte o sistema de planeamento que tinha emergido dos últimos anos do Estado Novo e tinha sido consagrado no texto originário da Constituição em 1976 e a orgânica que se julgou consolidar em 1977. O Parlamento tem votado leis de grandes opções, tanto de médio prazo como anuais, após parecer do Conselho Económico e Social, e algumas destas têm dado lugar à elaboração de “planos nacionais de desenvolvimento económico e social” mas tendo recentemente visitado as grandes opções da legislatura anterior a propósito do PART encontrei pouco mais do que exercícios literários que o protagonismo dos vários parceiros obrigou, após negociação, a converter em acções concretas.

Do esforço de planeamento da legislatura anterior resultou igualmente a votação pela Assembleia da República de um Plano Nacional de Investimentos, que recentemente terá suscitado críticas do Conselho Superior de Obras Públicas. No que se refere à actual legislatura já estamos dotados de Lei de Grandes Opções pela qual “São aprovadas as Grandes Opções do Plano para 2020-2023 que integram as medidas de política e os investimentos que as permitem concretizar”.

Pergunta-se:

Então porquê pedir a António Costa Silva um Plano e uma relação de Investimentos?

A explicação é simples:

-António Costa Silva é para todos os efeitos práticos um Extra-Terrestre (E.T.);

-Governos, Parlamento e Conselho Económico e Social estão de tal forma descredibilizados que é preciso um E.T. para abordar o desenho de políticas e a propositura de investimentos de forma original.

Vejo com simpatia a sua disponibilidade, li com interesse algumas das suas propostas iniciais e aprecio o seu esforço de diálogo, de que vamos tendo ecos.

Vejo no entanto necessidade de ter cuidado em três áreas.

A primeira é a da coerência com os limites dos recursos financeiros disponíveis.

Dizia Salazar no lançamento do I Plano de Fomento:

A segunda observação a ter presente é que, ao destinarem-se verbas avultadas para o Plano, se deixaram intactas as despesas ordinárias e se mantêm nos quantitativos normais, senão acrescidos, as despesas extraordinárias para aplicações não consideradas ou previstas nele. Esta dupla consideração responde a quantos manifestaram estranheza por não verem dotados todos os melhoramentos, obras ou realizações de necessidade indiscutível e mais ou menos urgente. Espera-se que algumas delas sejam atendidas por outra forma; é porém manifestamente errada a ideia de que podemos ter no próximo ano o Plano de Fomento e … ainda tudo o mais.

A primeira disciplina a exercer é pois nas despesas públicas; a segunda nos investimentos particulares. O Plano foi elaborado tendo presente o conjunto de disponibilidades de que o Estado e particulares podia usar para determinados fins. Nada se impõe aos particulares, nada se mobiliza forçosamente do que lhes pertença, mas tem de assegurar-se que o caudal dos recursos nacionais tome certa direcção e acuda a certas aplicações. Respeita-se a iniciativa e a propriedade, mas não se pode esperar que grandes empreendimentos possam ser lançados no mesmo período e com os mesmos recursos que se previu deverem cobrir o Plano de Fomento. [vii]

Por muito grande que seja o volume de fundos da União Europeia, este tipo de preocupações não deixa de ter actualidade, aliás o ser 2021 ano de eleições autárquicas, com municípios dotados de maior autonomia e de capacidade financeira que no tempo de Salazar, levará necessariamente a que surjam muitos projectos a disputar recursos.

A segunda é a coerência dos vários projectos dentro do conjunto e com os limites existentes em termos de recursos físicos e de impacto.

São conhecidas por exemplo as dificuldades de realizar investimentos na rede ferroviária por falta de recursos especializados e as dificuldades de preencher postos de trabalho na área de informática, mas é de esperar que com a aprovação do plano de investimentos se identifiquem outras áreas em que a formação terá de responder.

Por outro lado os investimentos têm de ser compatíveis entre si. Não se compreende por exemplo por que razão estando a ser equacionado o lançamento de quase alta velocidade entre o Porto e Lisboa, a IP avançou recentemente com um projecto de remodelação de Coimbra B que não será o mais adequado para o efeito e que a Câmara se apressou a aprovar.

Também a opção entre um novo Aeroporto no Montijo e o lançamento do primeiro modulo do Aeroporto de Lisboa em Alcochete deverá ser de novo equacionada e justificada, até porque a questão do impacto ambiental poderá dar origem a activação dos mecanismos de oposição que houve que admitir.

Last but not the least , parece-me inevitável que a lei de Grandes Opções do Plano 2020-2023 seja objecto de revisão, de forma a integrar as perspectivas introduzidas por António Costa Silva e consagrar mecanismos de participação e de fiscalização suficientemente efectivos e convincentes.

Se assim for feito, e se o Plano deixar de ser um mero saco de palavras, prometo uma leitura atenta.

NOTAS

[i] Carlos Corrêa Gago, “Introdução”, Planeamento Económico em Portugal 1953-1954. Um Acervo Histórico.(coordenado por Maria José Oliveira e Cruz) . DPP , 2006.

[ii] Minhas Memórias de Salazar, Lisboa: Editorial Verbo, 1977.

[iii] Lei nº 7/73, de 22 de Dezembro (Autorização das receitas e despesas para 1974) e Decreto-Lei nº 126/74, de 30 de Março (Regula a organização e gestão dos programas autónomos previstos na Lei de Meios de 1974).

[iv] Decreto-Lei nº 203/74, de 15 de Maio da Junta de Salvação Nacional (Define o programa do Governo Provisório e estabelece a respectiva orgânica)

[v] Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1975.

[vi] Evidentemente que por um lado com a promulgação da nova Constituição haveria que fazer uma segunda revisão do Plano 1974-1979 e, por outro, a parte relativa ao Ultramar deveria ir sendo declarada caduca à medida que foram sendo negociadas as várias independências.

[vii] “O Plano de Fomento, Princípios e Pressupostos”, discurso proferido em 28 de Maio de 1953, Discursos e Notas Políticas V 1951-1958, Coimbra: Coimbra Editora.

Publicado no Jornal Tornado de 26 de Agosto de 2020

Saudades do Plano de Fomento

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Segurança ferroviária: nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco

A separação da gestão das infraestruturas ferroviárias e do transporte de passageiros é uma orientação “europeia” que visa desmantelar as estruturas integradas e facilitar a concorrência entre empresas. No nosso caso deu origem à criação da REFER e da CP mas a sua lógica foi pouco percebida porque a fragmentação e privatização da CP não sucederam de imediato, aliás durante muito tempo provocou o subfinanciamento da REFER, porque a CP não lhe pagava…

Lá se criou a FERTAGUS, com grandes dificuldades, cujo material circulante é creio, do Estado, e que teve recentemente a sua concessão prorrogada para “acerto de contas”. A criação de uma concessionária privada para a linha Lisboa-Cascais, recriando a Sociedade Estoril, não se chegou a realizar. Foi autorizada a criação de uma nova empresa de carga, a Takargo (ligada ao grupo Mota-Engil) e a CP Carga foi comprada pela Medway. A EMEF, que englobava as oficinas da CP foi parcialmente desmantelada, e autonomizada e enquanto não era vendida ficaria com um contrato com a CP , só que o Tribunal de Contas chumbou a operação.

Para tornar a situação mais dificilmente reversível, e também com inspiração em alguns modelos estrangeiros, juntou-se a REFER com a JAE/IEP, criando-se a Infraestruturas de Portugal – IP, que, tanto quanto me lembro, teve como Presidente o Ramalho, que agora está a gerir o Novo Banco.

Na última legislatura pouco se clarificou. Mas, para o fim, aproveitando a transição de Pedro Marques para Bruxelas, sucederam duas substituições que alteraram profundamente a dinâmica do sector. Foi nomeado um novo Presidente da CP, um “homem do meio” que conhece a ferrovia europeia, e que acredita, e começou a concretizar, que a CP deve recuperar o perfil tradicional, e um novo Ministro, Pedro Nuno Santos, que acreditou nessa visão, e conseguiu fazer passar a admissão de mais pessoal para a EMEF, a reabertura das oficinas desta no Norte, e mais tarde, a fusão da EMEF na CP, e tem apoiado a recuperação de material circulante que estava “encostado” e a compra de material antigo que pode ser modernizado. Do mesmo modo conseguiu fazer passar a celebração de um contrato de serviço público que nem sequer é uma inovação, porque enquanto a CP foi “privada”, vivendo à conta do Estado e dando “emprego” a personalidades políticas como Domingos Fezas Vital e Mário de Figueiredo, tinha um contrato de concessão e após a nacionalização o Decreto-Lei que organizou a empresa pública remeteu expressamente as obrigações da CP para um conjunto de bases do contrato de concessão que vigorava até aí.

Estamos num momento complicado, em que se sabe que nas ligações rápidas – que não são “serviço público” – vai haver a concorrência de outras empresas (estrangeiras), em que o Presidente da CP já deixou cair que esta poderia ter interesse em criar uma empresa de carga, que coexistisse / concorresse com a Takargo e a Medway (acho que esteve a falar para o ouvido surdo do Governo). E que deu há pouco tempo uma entrevista que partilhei aqui no Facebook a manifestar a sua incomodidade com ter de gerir a CP sem gerir a infraestutura, e nesta os caminhos de ferro continuarem agregados às estradas.

Talvez a entrevista fosse premonitória pois ficou com um comboio convertido em sucata porque a IP, que, segundo foi divulgado, reconheceu há dois anos, depois de um incidente em Roma / Areeiro (iria morrer muito mais gente, possivelmente) que tinha de instalar nos seus veículos de manutenção um sistema de controlo automático de velocidades que, viu-se agora, continua a não estar instalado, enviou a intenção de investimento para “cabimentação financeira”.

Tenho louvado a acção do “Ministro da CP” mas não posso deixar de reprovar a aparente inacção do “Ministro da IP”. E não me venham dizer que as ligações ferroviárias são seguras, quando há um problema que afecta umas dezenas ou centenas de veículos de manutenção que andam por aí a disputar as vias aos comboios. Nenhuma corrente é mais forte que o seu elo mais fraco…

Declaração de interesses:

O comboio é o meu meio preferido de transporte, particularmente nas deslocações entre Lisboa e Coimbra, entre Lisboa e Porto, e entre Foros de Amora e Moscavide.

O meu avô materno foi maquinista da CP e fazia a linha da Beira Baixa, mas quando comecei a passar férias com ele já estava, creio, reformado.

Publicado em Agosto de 2020 no grupo “O Portugal que queremos” do Facebook.

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